Afinal de contas, de que judaísmo estamos falando?

Ontem tive a oportunidade de participar de uma mesa sobre Israel como Estado judaico e democrático. O tema, que na verdade era uma pergunta, trazia em si a inquietação da busca pela própria identidade.

Como acontece nestas ocasiões, o tempo era curto, e despertou mais questionamentos que respostas, o que vem bem a calhar para um título que nos brinda com uma interrogação.

Eu parti do princípio de que se Israel é um Estado judaico, e o debate amplo e inclusivo um valor central no judaísmo, não existe a possibilidade de que não seja democrático, caso contrário, seu próprio caráter judaico estaria ameaçado.

Existe sim, um sem número de contradições internas que ameaçam esta estrutura, mas entendo que mantenham o princípio democrático enquanto fizerem parte do debate. O perigo é a cristalização, a passividade, ou ‘chas vechalila’, um estado (agora em minúscula) morno e sem vida.

O breve debate que se seguiu, deixou uma pergunta em aberto, que ficou dançando dentro de mim, e pede passagem aqui. ‘Afinal de contas, de que judaísmo estamos falando?’ Aqui vão algumas reflexões que brotaram ao dirigir, na hora do banho, ou antes de dormir. Daquelas coisas que ficam buscando seu lugar, e só podem realmente existir se forem paridas.

A tua inquietação, Rodrigo, não somente é legítima, como reflete a pulsação de todo um povo, seja em Israel ou na diáspora.

De todos, eu te diria, Rodrigo, de todos. Do mais tradicional àquele mais assimilado. Daquele que vive, come, veste, reza e respira o judaísmo a cada minuto, àquele que o nega. Se realmente queremos preservá-lo como um sistema de valores essenciais, teremos que lidar com aquele que uma vez judeu, se declare ateu, e que queira a todo custo se desvencilhar de suas raízes, até aquele que dessacraliza não somente mesquitas e igrejas, mas escolas onde estudam também, crianças judias. Mesmo que a tentação da negação, principalmente no segundo caso, seja grande, não há meios de nos livrarmos dele. Se queremos que o judaísmo seja possível, teremos que acolher e encontrar maneiras de lidar com todas as suas nuances, onde lidar não significa fazer vista grossa.

Se, por princípio, ninguém se livra de sua condição judaica – o que a história recente já nos deu provas suficientes de sua veracidade – seu oposto também é verdadeiro: o judaísmo não se livra de ninguém.

Portanto, Rodrigo, a tua pergunta traz a beleza mais profunda do judaísmo. Ser judeu é ser um em suas escolhas, e ser todos, por condição. Como povo, somos responsáveis pelo que acontece ao nosso redor. Não temos como afirmar que não nos diz respeito. Porque diz. Mas também, não cabe a ninguém nos dizer como ser judeus. Porque somos fruto do debate e da indignação, e é isto que nos mantém vivos por milênios.

Obrigada, Rodrigo, pela luz.

 

Texto publicado originalmente no blog pessoal da autora.

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