Coração partido, coração aberto

Hoje Manal, que vive em Bethlehem me procurou. Conversa fiada, daquelas só possíveis quando nos desvinculamos do que nos separa. Me apressei em perguntar por sua filhinha, a mais nova de quatro irmãos, que nascera durante a guerra de Gaza. “Doce! Já começou a comer!” Quando nasceu, publiquei sua foto em nosso grupo, que ficou um bom tempo em destaque, nos lembrando e lhe agradecendo por nos manter na corrente da vida. 

Os planetas devem ter feito alguma dança especial hoje, pois subitamente, depois de alguns dias tensos no grupo tentando a todo custo provar a novos membros, ainda crus, de que o diálogo era possível, eis que pela primeira vez depois da guerra os meninos e meninas de Gaza voltaram a falar. Ah, que bênção!

Uma grande amiga israelense que sinto como irmã de alma havia publicado uma chamada para um treinamento de observadores dos direitos humanos em Gaza, e logo nos organizamos para que todos nossos amigos fossem avisados. Mas eu não esperava, ninguém esperava, só não sei o quanto os outros se deram conta, de que despertaríamos fantasmas.

Mais cedo, havíamos conversado sobre o medo que toma conta dos israelenses e diante de afirmações muito precisas a respeito do que deveria ou não ser feito para combater a inércia, eu concluíra muito intimamente, que nossa atitude de acolhimento ajudaria muito mais. Talvez isto tenha me preparado para o que viria a seguir.

A menina de Gaza voltou, o garoto também. Em uma conversa privada, ela me contou que haviam se conhecido no grupo, e se tornado grandes amigos  – tomara que se casem! – festejou meu coração de mãe judia. Um menino novo, pela primeira vez falou sobre suas dores. Um a um, como que por encanto, abriram seus corações. Temerosos, quebrados, cheios de trauma e dor. Belas, lindas criaturas bonitas. 

Mais tarde, o mais velho deles, que já começa a assumir ares de homem responsável, me pediu que eu cuidasse de alertá-los para que não mencionassem suas atividades no grupo entre os seus. “Eles são livres no grupo, mas na vida real, não”. Me disse que um amigo tinha sido envenenado, mas que já estava a salvo na Malásia. O que é medo, fantasia, confusão, e o que é realidade?

Não sei. Sobre os israelenses, eu concluíra, que se o medo surge, é legítimo e deve ser acolhido, independente dos fatos. O medo de Gaza também.

Texto publicado originalmente no blog pessoal da autora.

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