A coalizão de direita que governa Israel e o Hamas dependem um do outro para se manter no poder

Fiquei por um tempo na dúvida se escrevia e compartilhava algo sobre o assunto ou não. O que me motivou no fim foi ver, à minha volta, que muito se fala sobre o que está acontecendo, mas sentir também que há muito um uníssono ou então, como muitas vezes acontece, uma visão um pouco superficial sobre a questão.

Antes de tudo, eu também sou completamente contra e fico indignado em relação à violência arbitrária praticada por forças de um Estado contra populações civis e à consequente morte de pessoas que não tem como se defender, seja se essas pessoas vivem em Gaza, na Síria, ou nas periferias de grandes metrópoles no Brasil. Sobre os ataques à Gaza, é revoltante também o uso completamente desproporcional de forças, o fato de se dar em uma região já gravemente afetada pelo cerco e restrições de diversas ordens impostas sobretudo pelo Estado que está atacando, e de não haver ali nem mesmo forças militares constituídas para responder aos ataques. Ainda assim, resolvi compartilhar minha opinião sobre um ponto sobre o problema, opinião essa que (como qualquer opinião) pode estar errada e é passível de ser criticada.

O meu ponto é que esse conflito que está acontecendo atualmente interessa e fortalece sobretudo dois grupos: a coalização de direita que governa Israel já faz um bom tempo e o Hamas, grupo que detém o poder em Gaza já faz uns anos.

A coalizão de direita que governa Israel é composta pelos setores mais conservadores de lá, tendo muita força os religiosos e os nacionalistas radicais. Boa parte desses setores explicitamente se opõe a qualquer saída justa para o conflito em relação aos palestinos, seja a saída de dois Estados, seja a de um Estado binacional ou qualquer outra em que as pessoas que moram ou que querem morar ali naquela região possam viver e conviver com direitos iguais. Enfim, defendem, resumindo, um Estado judeu, a expansão dos assentamentos, a anexação de territórios, a restrição dos direitos dos árabes e demais minorias etc. Essa coalização de direita depende bastante para estar no poder de um discurso baseado no medo, na insegurança, na necessidade de defesa, no militarismo, e no não reconhecimento do outro de forma geral (de seu direito de existir, de viver na terra que deseja, de manter suas crenças e cultura e conviver com os outros com direitos iguais). Não à toa, é necessário guerras frequentes pra legitimar esse discurso, muitas vezes explorando casos de mortes de israelenses ou de atentados, e promovendo uma reação completamente desproporcional.

Do outro lado, o Hamas, um grupo fundamentalista religioso de direita que defende a criação de um Estado islâmico, que administra Gaza. Trata-se também de um grupo que se opõe a qualquer saída aceitável para o conflito, que defende a luta armada e a destruição do inimigo, que inclusive foi bastante responsável pelo rompimento por vários anos com o grupo Fatah, contribuindo para a divisão dos palestinos. É também um grupo que para se manter no poder depende de um discurso de violência e de não reconhecimento do outro (de seu direito de existir, de viver na terra que deseja, de manter suas crenças e cultura e de conviver com os outros com direitos iguais).

O ponto que eu queria trazer é que eu acho que a coalizão de direita que governa Israel e o Hamas dependem bastante um do outro para se manter no poder, pois a existência de um alimenta o discurso de ódio promovido pelo outro. Esse tipo de conflito que está acontecendo agora, trágico para a população civil, sobretudo a de Gaza, interessa e fortalece esses dois grupos. E acho que enquanto eles estiverem no poder, infelizmente, é difícil vislumbrar uma resolução para o conflito.

Adendo

Esse texto originalmente foi um post no Facebook. A ele se seguiu um comentário questionando a responsabilidade da população israelense no conflito e também na morte de civis inocentes em Gaza. Surgiu a preocupação de se colocar a responsabilidade unicamente nos governantes, eximindo assim a população que no fim das contas sustenta esse Estado. Isso poderia gerar uma visão passiva de que nada pode ser mudado pois afinal a culpa é dos governantes. Respondi o comentário dizendo que a população é responsável sim a partir do momento que elege seus governantes. Se não dá pra afirmar que ela é diretamente responsável pelo massacre, é no mínimo conivente. Tive a preocupação também de discutir brevemente a palavra genocídio que muitas vezes é usada para se referir ao que está acontecendo, mas que acho que é importante uma certa ressalva. Como exemplo mencionei que a taxa de homicídio no Brasil, e o número de mortos por agentes de Estado aqui, sobretudo negros (comparável em termos numéricos ao que acontece lá), também poderia ser chamado de genocídio. Entretanto, parece que se dá muito menos atenção a isso que acontece bem mais perto de nós. Por fim, foi enfatizei a importância, sim, de se mobilizar e lutar para que a realidade mude. Mas que, para isso, é bastante importante entender as forças que estão em jogo.

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5 Respostas para “A coalizão de direita que governa Israel e o Hamas dependem um do outro para se manter no poder”

  1. Elena
    23/07/2014 em 11:20 #

    oi, Alan. muito bacana teu texto, de verdade. fiquei só com uma questão: você não acha que o acordo entre o hamas e o fatah, recentemente, faz com que o hamas tenha assumido um pouco mais a postura de mediador e se “flexibilizado”? posso estar muito enganada, mas tenho a impressão de que toda essa operação tem como objetivo, também, minar a unidade política que eles fortaleceram com o acordo e frisar o hamas como bode expiatório intransigente… você cria uma meta inatingível (a destruição do hamas) e qualquer coisa menos do que isso legitima um assassinato em massa.

    ah, outro ponto: os movimentos sociais no brasil que lutam pela periferia falam sim em genocídio da população negra (e jovem). acho que os dois casos são bem comparáveis, sim, por se tratarem de violência do estado etc. a diferença é que a nossa elite ainda tem um certo constrangimento moral em admitir que quer mais é que pobre e preto morra…

    • Christina
      25/07/2014 em 2:40 #

      Gostei muito do texto, que ficou perfeito com os comentários da Elena.

    • Alan Osmo
      25/07/2014 em 10:18 #

      Achei bastante interessante seu comentário, Elena. Não tinha pensado na possibilidade de haver uma relação entre a operação israelense de agora e o acordo recente entre Hamas e Fatah. Mas faz sentido.
      Pra saber se o Hamas se flexibilizou e assumiu uma postura mais mediadora, é preciso ver também se vai haver uma mudança em seu discurso e se o ódio e violência bastante presentes vão diminuir.
      De qualquer jeito, o acordo parece fazer com que a postura de Israel atual fique ainda mais isolada.

  2. Evelyn
    24/07/2014 em 20:09 #

    Sua analise está correta, pois os dois grupos acabam sendo co-dependentes um do outro e não querem acabar o ódio e nem os conflitos, pois os dois lados, tanto Israel e Hamas tem ganhos secundarios ideologicos de “controle” de suas populações pelo medo, e pelo ódio (ao outro) e recebem muitos recursos e financiamentos para manter o estado bélico, armamentos, assentamentos e re-construções e vidas são desperdiçadas e mais e mais crianças/adolescentes são traumatizados e assim se perpetua o ciclo da violencia entre as gerações/ triste realidade (de falta de cidadania e dos direitos à VIDA)!

  3. Felipe
    30/07/2014 em 15:14 #

    Caro Alan, esse texto me parece ser um texto que faz uma análise superficial dos conflitos em Gaza, além de conter muitas informações falsas.

    Por exemplo, quando se fala que os governantes de Israel não aceitam uma saída justa para o conflito. O que seria uma saída justa? Vc sabia que a proposta do Hamas é o extermínio de Israel? Por isso é muito difícil uma negociação com o Hamas. É legítimo o direito de Israel de existir e é tudo que o governo quer, EXISTIR. Tanto é que em todas outras fronteiras (Cisjordânia e Egito), quando se aceitou a existência de Israel, acabaram-se os conflitos.

    Vejo a situação sob um aspecto oposto ao texto compartilhado. Se Israel baixar as armas, o Hamas tentará destruir Israel. E se o Hamas baixar as armas e aceitar a existência de Israel, haverá paz na região. É difícil para algumas pessoas enxergar que um país, apesar de ser mais desenvolvido economicamente e dispor de maior poder bélico, é vítima no conflito.
    Fico muito triste com a morte de civis diante da guerra, mas a guerra deve ser vista a partir de uma análise muito mais profunda, considerando os objetivos de cada parte e o histórico da região, que vai muito além do que escrevo neste texto.

    Israel entregou a faixa de gaza, na tentativa de avançar com os acordos de paz. Desde então o Hamas utilizou desta maior proximidade com Israel para atacar bombas, construir túneis para atacar Israel, entre outras diversas tentativas de destruir Israel. Nesta guerra, o Hamas já atacou mais de 2000 bombas contra Israel que foram muitas delas bloqueadas pelo sistema aéreo antibombas.

    Com relação a hipótese levantada no texto de que o governo de direita de Israel precisa do conflito para se perpetuar no poder é uma das maiores besteiras que já ouvi de todos estes comentários que surgiram recentemente na mídia e nas redes sociais. Este argumento é uma espécie de teoria da conspiração de uma esquerda que não vive mais no mundo real e mascara o anti semitismo com um anti sionismo ignorante. Eu tenho vários amigos que estão por lá e todos nós não queremos uma grande Israel, não queremos a guerra e não temos todo esse apoio dos EUA. Como falei acima, Gaza é um território que Israel se retirou unilateralmente em 2005 acreditando que isso traria paz. Desde então não foi bem isso que aconteceu. Um grupo terrorista ( que a globo chama de grupo militante) assumiu o poder e, com a ideologia de exterminar o estado de Israel, há anos atira mísseis diariamente em Israel, isso se intensificou nas últimas semanas, há reais ameaças para a sociedade civil israelense e não há outra opção se não entrar em gaza por terra para destruir armamentos e combater o sistema terrorista. Em Israel, ninguém está feliz com a guerra, ao contrário dos terroristas, a vida dos soldados é muito valorizada e a sociedade sofre e se enluta por cada menino que morre nesses conflitos. É difícil negociar paz com terroristas, é difícil chegar a uma solução. De qualquer forma, esse texto não resume o conflito e a história de Israel.

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