Fracasso e esperança (parte 3)

Nas partes anteriores do artigo (um e dois), foi demonstrado que operações militares extensas não podem eliminar o terrorismo do Hamas, assim como o assassinato ou a prisão de seus membros também seguirão fracassando. As sucessivas empreitadas israelenses, por meio desses métodos, acabaram por ter o efeito oposto ao desejado. O Hamas passou de um grupo marginal e minúsculo (Sheik Yassin e outras seis pessoas fundaram o grupo em dezembro de 19871) para uma força bem armada de milhares de membros, com capacidade de fechar o aeroporto Ben Gurion por dois dias, foguetes que podem alcançar as principais cidades israelenses e causador de um abrupto esvaziamento populacional do sul de Israel. Na atual Operação Margem Protetora, o governo e o exército israelense empregaram exclusivamente os métodos acima para combater o Hamas. O resultado foi o esperado.

Ainda no contexto da pesquisa da RAND sobre como eliminar o terrorismo, antes de analisar a alternativa restante – pacificação e adesão ao processo político – é indispensável ressaltar três verdades frequentemente esquecidas ou negadas.

  1. O Estado de Israel existe, é permanente e indestrutível; por mais que self-hating jews, antissemitas, antissionistas ou qualquer pessoa com senso crítico questione a legitimidade e a necessidade de Israel existir, isso não fará com que o país desapareça.
  2. A nação palestina existe, tem direito ao seu Estado e não abandonará a resistência enquanto não atingir esse objetivo; a narrativa de negação desse fato, bradada por radicais e ignorantes, é inútil e prolonga, artificialmente, uma situação passageira.
  3. A convivência pacífica e igualitária entre o povo judeu e o povo palestino é inviável num mesmo Estado. Diversos traumas, preconceitos e sentimentos negativos estão incrustados permanentemente no imaginário coletivo de ambos. Isso não implica em limpeza étnica; minorias de um povo poderiam habitar o Estado do outro, desde que tenham o seu próprio Estado nacional constituído, pronto para recebê-los se necessário.
barak-albright-arafat

Ehud Barak, Madeleine Albright e Yasser Arafat em Camp David

Com essas premissas, as quais já deveriam ter sido encaradas com seriedade por todos os envolvidos no conflito, a pacificação do Hamas acontecerá no contexto da criação do Estado soberano da Palestina, ao lado do Estado de Israel. A evolução histórica nessa direção vem acontecendo com coerência. Nas negociações de paz entre Egito e Israel, em 1978, Anwar Sadat exigiu que Menachem Begin fizesse concessões para um futuro Estado palestino; o israelense julgou a demanda ridícula. Em 1988, o Rei Hussein da Jordânia transfere para a OLP de Arafat o pleito pelo território da Cisjordânia; assim, a Palestina deveria ser criada com base nesse território e em Gaza. Rabin, nos acordos de Oslo, deu passos indubitáveis para a solução de dois estados, como a evacuação de Gaza, a criação de uma força policial palestina e a auto-administração palestina (parcial ou total) em 27,8% da Cisjordânia. Finalmente, na Cúpula de Camp David do ano 2000, Ehud Barak fez uma oferta que, apesar de incompleta e repleta de problemas, culminaria na criação do Estado da Palestina. Dali em diante, todas os planos e rodadas de negociação tiveram como objetivo a solução de dois estados. Em adição a essa evolução, a opinião pública reitera qual a solução que ambas as nações querem. Mesmo sem nenhuma iniciativa significativa desde 2007, israelenses e palestinos seguem favoráveis à solução de dois estados.

O caminho para a paz e o fim do terrorismo palestino é longo. A pesquisa da RAND classifica os objetivos do Hamas como sendo principalmente nacionalistas, mas também religiosos; em adição a isso, na página 15 da mesma pesquisa:

…grupos terroristas motivados por objetivos nacionalistas e religiosos duram mais. Tipicamente,  possuem fontes sólidas de suporte na população local da mesma etnia que eles (…)

Por isso, a sociedade israelense e seus líderes precisam estar dispostos a fazer concessões, abandonar preconceitos e medos ao longo do trajeto e manter os extremistas sob controle. Estes são organizados e violentos e tentarão sabotar o processo, como já foi feito antes. Abandonar a caminhada antes do fim trará mais desilusão e pessimismo, como facilmente observa-se hoje em Israel e entre os palestinos. Por isso, é importante abordar as mudanças de postura e de política que Israel precisa realizar, se pretende chegar ao fim desse percurso e ver-se livre de morteiros em kibbutzim, ataques suicidas em pizzarias ou em discotecas. Tais mudanças não trarão, isoladamente, o resultado esperado; os palestinos precisam, também, realizar muitas concessões e corrigir inúmeros erros que vêm sendo cometidos. Mesmo assim, e por ser muito mais desenvolvido e forte que os palestinos, o Estado de Israel precisa concentrar todo seu poder na realização desse projeto. Após dezenas de anos de conflito, o desejo de resolvê-lo é quase uma premissa, para as maiorias das populações, para melhorar suas condições de vida. Se os palestinos não estivessem interessados em fazer a paz, a iniciativa israelense certamente despertaria esse desejo.

De acordo com a pesquisa da RAND, na página 16,

…grupos terroristas tendem a durar mais em países pobres. (…) um caminho para eliminar o terrorismo é melhorar a condição econômica de países onde o terrorismo é comum.

Economicamente, Gaza é terra fértil para o crescimento do terrorismo. De acordo com as estatísticas disponíveis, a taxa de desemprego bate em 45,1%, a pobreza atinge 59,9% da população e o Produto Interno Bruto real (descontada a inflação) está estagnado desde 1996. Para o terrorismo palestino, especialmente do Hamas, ver-se sem apoio ou justificativa entre a população, Israel precisa cooperar com a desenvolvimento econômico de Gaza. Isso passa, obrigatoriamente, pelo fim gradual do bloqueio e pela reconexão da economia de Gaza com o resto do mundo. Os 7 anos do fechamento desse território causaram a piora das condições econômicas da população local. Os méritos pelo fim do bloqueio e o desenvolvimento econômico devem ser explicitamente atribuídos às negociações, aos palestinos moderados e ao processo de paz, e não à violência do Hamas. O governo israelense precisa passar a mensagem correta aos palestinos: moderação e autocontrole geram ganhos, enquanto violência e terrorismo geram perdas.

Brigadas Izz ad-Din al-Qassam, o braço militar do Hamas

Brigadas Izz ad-Din al-Qassam, o braço militar do Hamas

Tão importante quanto o desenvolvimento econômico da Faixa de Gaza é a interrupção do crescimento dos assentamentos israelenses na Cisjordânia, para que sejam devolvidos aos palestinos no curso do processo de paz. Desde antes da conquista desse território – um resultado não esperado da surpreendente Guerra dos Seis Dias2 – diversos personagens centrais ao sionismo ressaltaram o quão errado seria levar judeus para construir e habitar na Judéia e na Samaria: Ya’akov Shimson Shapira³, Pinhas Sapir³, Yeshayahu Leibowitz e David Ben Gurion4. Em essência, aqueles que assentavam em 1967 julgavam dar continuidade ao sionismo de 1948, quando uma nação agia corajosamente, desafiando leis e atores hostis, para conseguir estabelecer-se e erigir seu Estado. No entanto, em 1967, o Estado de Israel já existia, era reconhecido pela comunidade internacional, possuia exército, leis e governo; a elite política e os novos colonizadores falharam em fazer a passagem de “revolução” para “instituição”, de “movimento nacional” para “Estado”. Se, antes, assentar era um método para estabelecer um Estado, veio por metamorfosear-se em um objetivo em si, santificado por uma minoria religiosa judaica e erroneamente legitimado pelo governo israelense.

Um dos propósitos dos assentamentos é evitar o surgimento do Estado da Palestina. Quando foi chefe do Comitê Ministerial de Assentamentos, no fim dos anos 70, Ariel Sharon criou e fez crescer muitos assentamentos na Cisjordânia, com o intuito de separar cidades palestinas e criar facts on the ground5. Entre 1993 (acordos de Oslo) e 2000 (2a Cúpula de Camp David), o número de judeus na Cisjordânia – excluída Jersualém Oriental – foi de 116 mil para 198 mil6, um aumento de 70%; para efeito de comparação, a população total de Israel cresceu somente 33% entre 1990 e 2000. Quanto maior essa população, mais difícil torna-se a devolução dessa terra aos palestinos.  Para defender a existência dos assentamentos, usa-se também o argumento de que a desocupação desse território aumentaria a insegurança do Estado e colocaria em xeque a existência de Israel. No entanto, os assentamentos são um fardo extra para o Exército israelense, que precisa defendê-los; durante o ataque sírio na Guerra de Yom Kippur, assentamentos nas colinas do Golan tiveram de ser evacuados ao mesmo tempo que tanques de Hafez al-Assad eram repelidos7. A evacuação de Gaza, ordenada por Ariel Sharon em 2005, encaixa-se nessa lógica como o negativo de uma foto; a cessão abrupta e unilateral serviu para proteger o projeto dos assentamentos como um todo, e colocou colonos e o Exército israelense em confronto. Dov Weisglas, um dos conselheiros mais próximos de Sharon, descreveu a evacuação como

…a quantidade apropriada de formaldeído (para embalsamar o Roadmap para a paz dos EUA) para que não haja um processo diplomático com os palestinos8.

Após o fim da Operação Margem Protetora, o Hamas veio a público relembrar a todos de sua intransigência e de seu propósito de libertar a Palestina, eliminando Israel. Concomitantemente, o atual governo israelense confiscou terras palestinas na Cisjordânia, enfatizando sua indisponibilidade para entrar em qualquer processo de paz. Os terroristas reiteraram que não são um parceiro para um processo diplomático, enquanto as lideranças israelenses seguem inculcando em seus cidadãos a mentirosa ideia que o fim do terrorismo deve vir antes das negociações serem iniciadas. O pessimismo das populações é plenamente justificado: a violência na região seguirá, já que o ódio palestino e o cinismo israelense determinam as movimentações políticas. No entanto, o cenário sombrio e a falta de perspectiva não puderam e não poderão afetar os desejos mais profundos dos sofridos civis da região: o encerramento do terrorismo e da violência são partes, e consequências, da paz entre os povos e da criação do Estado da Palestina. Ao contrário do que propagam governantes israelenses e de Gaza, não são pré-requisitos, mas sim resultados.


1 – MORRIS, Benny. Righteous Victims: A History of the Zionist-Arab Conflict, 1881-2001. New York: Vintage, 2001, p. 577

2 – GORENBERG, Gershon. The Unmaking of Israel. New York: Harper Perennial, 2012, p. 61

3 – idem, p. 66

4 – idem, p. 28

5 – idem, p.69

6 – idem, p. 108

7 – idem, p.81

8 – idem, p. 115


1a parte
2a parte

Tags:

4 Respostas para “Fracasso e esperança (parte 3)”

  1. Jaime Cohen
    03/09/2014 em 23:50 #

    Excelentes os 3 artigos. Precisam de tradução para o inglês, o hebraico e o árabe. Que tal?

    • Marcel Beer Kremnitzer →
      06/09/2014 em 14:13 #

      Jaime, para o inglês é fácil. Para o hebraico, nenhum sabra vai ler o que um brasileiro tem a dizer sobre Israel. Para o árabe, não sei quem traduziria! Obrigado pelos elogios!

Trackbacks/Pingbacks

  1. Fracasso e esperança (parte 1) , Fórum 18 - 01/09/2014

    […] 2a parte 3a parte […]

  2. Fracasso e esperança (parte 2) , Fórum 18 - 01/09/2014

    […] 3a parte […]

Deixe uma resposta

Você deve ser logado to post a comment.