Jerusalém não é de ouro

São 7 horas da manhã de uma segunda-feira na cidade velha de Jerusalém. No Muro das Lamentações, local mais sagrado para os judeus de todas as partes do mundo, mais de 150 mulheres rezam do lado destinado a elas em um muro dividido por gênero. Parece uma manhã qualquer, mas não é. Não para os ultra-ortodoxos, nem para a polícia israelense. E muito menos para essas mulheres.

Há 24 anos, no começo de cada mês do calendário judaico, mulheres da ONG Women Of The Wall (Nashot HaKotel) reúnem-se no mesmo horário e local para rezar e, consequentemente, passar a mesma mensagem: queremos liberdade religiosa. Durante esses mesmos anos, sempre enfrentaram problemas com o Rabinato local, que considera ofensivo mulheres rezarem usando Talit (vestimenta de oração), e pior, que conduzam essas orações sem a presença de um único homem. Ultraje para o mais puro judaísmo.

A diferença desta manhã para todas as outras é que o Women Of The Wall foi acompanhado de seis paraquedistas que liberaram o muro do domínio Jordaniano na guerra dos Seis Dias, em 1967. Pouco antes do evento, a página do Facebook da ONG afirmava: “esses heróis israelenses acreditam fortemente que devem apoiar nosso movimento na luta pela libertação religiosa do Muro das Lamentações. Esse momento histórico é imperdível!”

O Muro está lotado. De acordo com a organização, é o maior número de participantes já visto em duas décadas de manifestações, incluindo os homens do outro lado do muro. Sinto que estou no local e no momento certo: a imprensa internacional se faz presente, e em peso. Eles sabem que o circo está prestes a pegar fogo.

Ao entrar pela segurança, os talitot das mulheres são confiscados pela polícia. Alguns dos homens entram escondidos com a vestimenta e as passam através da barreira de separação de homens e mulheres no muro, como se fossem mercadorias contrabandeadas.

Durante todo o evento, policiais femininas gravam cenas das mulheres participando do serviço religioso. Tirando esse fato curioso, tudo parece correr bem. Até aquele momento, a polícia não interviu. Eles apenas observam as mulheres colocarem seus talitot, recitarem orações em voz alta e dançarem em roda, todas de mãos dadas. Nos últimos meses, esses mesmos atos foram suficientes para a prisão de muitas delas.

Em certo momento, um policial aborda três mulheres que estão usando talitot e pede para elas o seguirem. Elas se recusam, sentam no chão e se dão os braços. A polícia, provavelmente refreada pela  imprensa presente, não faz nada.

Foto: Gabriela Korman

Já são quase 9 horas da manhã no local mais sagrado para os judeus. Uma moça jovem e grávida participante do movimento dá uma entrevista para um canal de televisão celebrando o fato de que essa foi a primeira vez em 22 meses que ninguém foi preso durante a manifestação. O público começa a se dispersar, assim como grande parte da imprensa.

Eu já me encaminho para sair do local, quando vejo a polícia prender diversas mulheres que estavam rezando de Talit. Eles esperaram centenas de participantes, os paraquedistas famosos e a maioria dos jornais irem embora para começarem a ação.

Foto: Michal Fattal

Em depoimento ao jornal Haaretz, o porta-voz da polícia de Jerusalem Shmuel Ben-Ruby confirmou que as mulheres foram presas por usarem Talit, especialmente por serem, segundo ele, “de estilo masculino”. A polícia libera o uso de talitot coloridos, que são considerados “femininos”, ao contrário dos “masculinos”, que são azuis e brancos ou pretos e broncos.

A Suprema Corte de Israel decretou em 2003 que os visitantes do Muro devem “respeitar os costumes”, entretanto, não há nenhuma lei específica sobre os tipos adequados de Talit. De acordo com o Rabino do Muro das Lamentações, Shmuel Rabinovich, um conselho liderado pelo chefe do Rabinato de Israel determinou os costumes locais em 1967, quando o Muro ficou sob domínio israelense.

“Eu rezo no Muro das Lamentações há 24 anos. Eu sou o costume local. O Women of The Wall é o costume local, mas ao mesmo tempo, nunca será”, disse Annat Hoffmann, presidente do Women of The Wall e uma das dez mulheres presas após o evento.

Ao final da cena, Ilon Bartov, um dos seis paraquedistas presentes apoiando o evento, lamentou: “É inaceitável que a polícia esteja prendendo mulheres por usarem Talitot. Isso parece o Irã. Não consigo acreditar que eles estão impedindo pessoas de rezarem da maneira que elas querem”.

Ao sair da cidade velha de Jerusalém, tive a sensação, e não pela primeira vez, de estar dentro do livro de George Orwell, Revolução dos Bichos: Todos somos iguais, mas alguns são mais iguais que os outros.

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