Gabriela Korman

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Gabriela Korman é estudante de Jornalismo e Ciências Sociais. Atualmente trabalha no Alternative Information Center (AIC) em Beit Sahour, Cisjordânia, pelo programa da FFIPP-Brasil 2013.

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Jerusalém não é de ouro

São 7 horas da manhã de uma segunda-feira na cidade velha de Jerusalém. No Muro das Lamentações, local mais sagrado para os judeus de todas as partes do mundo, mais de 150 mulheres rezam do lado destinado a elas em um muro dividido por gênero. Parece uma manhã qualquer, mas não é. Não para os ultra-ortodoxos, nem para a polícia israelense. E muito menos para essas mulheres.

Há 24 anos, no começo de cada mês do calendário judaico, mulheres da ONG Women Of The Wall (Nashot HaKotel) reúnem-se no mesmo horário e local para rezar e, consequentemente, passar a mesma mensagem: queremos liberdade religiosa. Durante esses mesmos anos, sempre enfrentaram problemas com o Rabinato local, que considera ofensivo mulheres rezarem usando Talit (vestimenta de oração), e pior, que conduzam essas orações sem a presença de um único homem. Ultraje para o mais puro judaísmo.

A diferença desta manhã para todas as outras é que o Women Of The Wall foi acompanhado de seis paraquedistas que liberaram o muro do domínio Jordaniano na guerra dos Seis Dias, em 1967. Pouco antes do evento, a página do Facebook da ONG afirmava: “esses heróis israelenses acreditam fortemente que devem apoiar nosso movimento na luta pela libertação religiosa do Muro das Lamentações. Esse momento histórico é imperdível!”

O Muro está lotado. De acordo com a organização, é o maior número de participantes já visto em duas décadas de manifestações, incluindo os homens do outro lado do muro. Sinto que estou no local e no momento certo: a imprensa internacional se faz presente, e em peso. Eles sabem que o circo está prestes a pegar fogo.

Ao entrar pela segurança, os talitot das mulheres são confiscados pela polícia. Alguns dos homens entram escondidos com a vestimenta e as passam através da barreira de separação de homens e mulheres no muro, como se fossem mercadorias contrabandeadas.

Durante todo o evento, policiais femininas gravam cenas das mulheres participando do serviço religioso. Tirando esse fato curioso, tudo parece correr bem. Até aquele momento, a polícia não interviu. Eles apenas observam as mulheres colocarem seus talitot, recitarem orações em voz alta e dançarem em roda, todas de mãos dadas. Nos últimos meses, esses mesmos atos foram suficientes para a prisão de muitas delas.

Em certo momento, um policial aborda três mulheres que estão usando talitot e pede para elas o seguirem. Elas se recusam, sentam no chão e se dão os braços. A polícia, provavelmente refreada pela  imprensa presente, não faz nada.

Foto: Gabriela Korman

Já são quase 9 horas da manhã no local mais sagrado para os judeus. Uma moça jovem e grávida participante do movimento dá uma entrevista para um canal de televisão celebrando o fato de que essa foi a primeira vez em 22 meses que ninguém foi preso durante a manifestação. O público começa a se dispersar, assim como grande parte da imprensa.

Eu já me encaminho para sair do local, quando vejo a polícia prender diversas mulheres que estavam rezando de Talit. Eles esperaram centenas de participantes, os paraquedistas famosos e a maioria dos jornais irem embora para começarem a ação.

Foto: Michal Fattal

Em depoimento ao jornal Haaretz, o porta-voz da polícia de Jerusalem Shmuel Ben-Ruby confirmou que as mulheres foram presas por usarem Talit, especialmente por serem, segundo ele, “de estilo masculino”. A polícia libera o uso de talitot coloridos, que são considerados “femininos”, ao contrário dos “masculinos”, que são azuis e brancos ou pretos e broncos.

A Suprema Corte de Israel decretou em 2003 que os visitantes do Muro devem “respeitar os costumes”, entretanto, não há nenhuma lei específica sobre os tipos adequados de Talit. De acordo com o Rabino do Muro das Lamentações, Shmuel Rabinovich, um conselho liderado pelo chefe do Rabinato de Israel determinou os costumes locais em 1967, quando o Muro ficou sob domínio israelense.

“Eu rezo no Muro das Lamentações há 24 anos. Eu sou o costume local. O Women of The Wall é o costume local, mas ao mesmo tempo, nunca será”, disse Annat Hoffmann, presidente do Women of The Wall e uma das dez mulheres presas após o evento.

Ao final da cena, Ilon Bartov, um dos seis paraquedistas presentes apoiando o evento, lamentou: “É inaceitável que a polícia esteja prendendo mulheres por usarem Talitot. Isso parece o Irã. Não consigo acreditar que eles estão impedindo pessoas de rezarem da maneira que elas querem”.

Ao sair da cidade velha de Jerusalém, tive a sensação, e não pela primeira vez, de estar dentro do livro de George Orwell, Revolução dos Bichos: Todos somos iguais, mas alguns são mais iguais que os outros.

Entender o outro é possível

Não é de hoje que os jovens interessados pelos conflitos no Oriente Médio gostam de discutir a problemática árabe-israelense. De ultra sionistas a marxistas, dos direitistas aos esquerdistas, dançarinos e militantes de movimentos juvenis, todos querem dar seu pitaco no assunto. As questões geralmente giram em torno de dilemas como a legitimidade da criação de um Estado Palestino, autodefesa israelense e, principalmente, o suposto ataque midiático a Israel. A par dessa realidade está a organização B’nai B’rith, que nos dia 4 de setembro de 2011 ofereceu a jovens de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre uma oportunidade única de discutir esses assuntos. Sem enrolação. Sem frescura. Sem nenhum contexto cor-de-rosa.

O seminário Narrativas em Jogo, realizado em São Paulo, contou com a participação de mais de 30 jovens dispostos a escutar especialistas no assunto e pessoas diretamente envolvidas no tema. Como afirmou Abraham Goldstein, presidente da B’nai B’rith Brasil, nós só poderemos entender e ajudar Israel a ser um país melhor se analisarmos seus erros e acertos de maneira crítica.

Quando se fala de pessoas diretamente envolvidas no conflito, estamos acostumados a escutar o lado judeu: a ação frequente dos terroristas, os kassamim jogados dia após dia contra os civis, o medo de ter um filho sequestrado. Entretanto, poucas vezes se tem a oportunidade de escutar o outro lado. Não uma versão diferente dos mesmos fatos, mas fatos diferentes que, se colocados com tudo que já sabemos, constituem uma única história. Que precisa e quer ser contada. Assim, pela primeira vez em um seminário voltado a jovens judeus, dois refugiados palestinos deram seu relato de vida.

Huda e Walid em seminário na B’nai Brith, em São Paulo

Relatos

Walid Altamami e Huda Al Bandar vivem em Mogi das Cruzes (SP) há quatro anos, falam português, mas utilizaram a ajuda da tradução feita por Paulo Farah, professor da USP e palestrante do evento. Não por ser incompreensível o que diziam, mas por uma postura da equipe de organização do seminário que considerava interessante o casal poder se expressar livremente em sua língua. Huda conta que após a Guerra dos Seis Dias (1967), a família migrou para a Jordânia. Logo, veio a Guerra de Yom Kippur, em 1973, e tiveram que fugir para o Iraque. Entretanto, após a invasão americana ao país, em 2003, a família viu-se encurralada no meio de conflitos. Viveram mais quatro anos entre a fronteira da Jordânia com o Iraque até receberem apoio da ONU, que os enviou ao Brasil. Entretanto, Walid afirma que o processo de estabelecimento no país não foi nada fácil. “A ONU prometeu muitas coisas, mas não vi nada”.

Ele diz que não há relação direta dos refugiados com o governo brasileiro, e que até dois anos atrás não tinham documentos nem contato com a Polícia Federal. Além disso, não receberam qualquer suporte para aprender a língua ou conseguir emprego. Hoje, Walid sente-se vivendo em “um exílio dentro de um exílio”, pois o trabalho que arranjou é no Mato Grosso – longe da família. Mesmo assim, se diz contente com a recepção do povo brasileiro. “Onde eu moro não há divisões, temos liberdade de expressão e opinião”. Mas alfineta: “essa liberdade de expressão fizemos por nós mesmos, porque o governo não fez nada”.

Walid afirma que sua família, ao se ver obrigada a sair da região onde morava na Palestina, perdeu suas terras e propriedades. “Quando uma pessoa perde tudo que tem, também perde sua humanidade”, diz. Huda explica sua situação de maneira tragicômica. “Quando me perguntam de onde venho, digo: do Iraque, do Líbano, da Palestina”. O casal tem clara em sua concepção que o conflito não é religioso. Walid acredita que quem diz isso não sabe o que se passa nas fronteiras. “Somos todos humanos, somos todos um só”, declara, destacando que o maior problema é o extremismo. “Sei que dos dois lados há esse tipo de atitude. Rejeito qualquer tipo de extremismo”.

O casal critica as ações do governo de Israel e deixa explícito seu anseio por um dia poder viver na Palestina, que diz ser seu lugar de direito. “A Palestina é nosso país e não podemos esquecer isso. Sou refugiado porque minha avó é refugiada, minha mãe é refugiada e meus filhos são refugiados”, lamenta Huda. Eles acreditam que se os dois lados fizerem concessões será possível ter dois Estados.

Apesar das críticas, Walid deixa a mensagem de que há milhões de muçulmanos que gostam e respeitam todas as religiões, assim como ele é ciente de que muitos judeus respeitam os palestinos. “Por isso me propus a vir aqui hoje. Não faço distinção alguma entre judeus e palestinos”, assegura.

Se a construção da memória for mútua, o caminho para a compreensão e empatia se tornará um atalho para uma, quem sabe, sonhada coexistência.

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