Gabriel Toueg

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Gabriel Toueg é jornalista profissional e internacionalista, brasileiro, de São Paulo. Morou sete anos (2004-11) no Oriente Médio. Atualmente trabalha como jornalista freelancer, escrevendo para diversas publicações.

Posts recentes no blog escrito por Gabriel Toueg

O conflito entre Israel e o Hamas e os malucos de plantão – e de como é difícil ser moderado

Há malucos que querem fazer crer que não há um povo palestino, como Flavio Flores da Cunha Bierrenbach, em seu texto,“Palestina”, publicado há algumas semanas na Folha de S.Paulo. Escreve o autor, ministro aposentado do Superior Tribunal Militar:

Não existe povo palestino. A Palestina é uma região geográfica, assim como a Patagônia ou o Pantanal.

Mereceu, como teria merecido um tapa na cara dos argumentos, a resposta que recebeu de Salem Nasser, professor de Direito Internacional da DIREITO GV que escreveu, também na Folha de S.Paulo, “O cadáver da Palestina”:

Trata-se de um tipo especial de racismo, que não se basta com representar a sua vítima como torpe, vil, traiçoeira e naturalmente orientada para a violência.

Também em resposta a Bierrenbach, Guilherme Casarões, professor de Relações Internacionais das Faculdades Rio Branco e do MBA da FGV (e, devo dizer, pelo que venho acompanhando, um dos comentaristas mais equilibrados nessa questão, naturalmente mais equilibrado que Nasser), escreveu, no Observatório da Imprensa, o texto “Palestina, sim!”, em que lembra:

Devemos frisar que mesmo Israel reconhece a Autoridade Palestina, seja como interlocutor nas negociações de paz ou como entidade representativa dos árabes (palestinos!) que habitam a Cisjordânia e a Faixa de Gaza.

E há malucos, igualmente malucos, que querem fazer crer que a remoção do Estado de Israel do mapa, como já advogou um ex-presidente iraniano, seria a solução para o problema do Oriente Médio que ele claramente desconhece. É o caso de Ricardo Melo, em seu texto publicado hoje na mesma Folha, “Israel é aberração; os judeus, não”:

Inexiste solução para a crise do Oriente Médio que não inclua o fim do Estado de Israel. A afirmação é comprovada pela própria história.

Ironicamente, a solução de Ricardo Melo, que “foi um dos principais dirigentes do movimento estudantil ‘Liberdade e Luta’ (‘Libelu’), de orientação trotskista”, vai na mesma direção do que defende a extrema direita israelense, em uníssono capaz de fazer corar (de raiva e vergonha) os moderados:

A saída civilizada seria a construção de um Estado único onde árabes e judeus convivam em harmonia.

Em seu blog no Estadão, Guga Chacra, correspondente do jornal em Nova York, escreveu um “Guia para entender o conflito Israel-Hamas sem precisar ler extremistas”, no qual se refere aos textos de Bierrenbach e de Melo, com sugestões bem simples. Vale a pena ler.

Dias atrás andei pensando em escrever um texto sobre a dificuldade de ser (ou tentar ser) um moderado em meio a tantos extremos – dos dois lados, como se observa nos artigos publicados pela Folha de S.Paulo relatados aqui. Confesso que de tão difícil, até esse texto me fugiu das mãos e da paciência que eu costumo ter para, didática e calmamente, explicar um conflito que não se resume em sugerir a inexistência de um lado ou o extermínio do outro.

Fico, de novo, com o Chacra, que há alguns dias publicou, em seu blog, um texto em que resume o meu sentimento. Caros extremistas, suas opiniões não vão fazer o cenário atual mudar. Israel não deixará de existir e os palestinos não passarão a ser uma ficção. A isso tomo a liberdade de acrescentar o que tenho dito e escrito Facebook afora: suas opiniões não apenas são inócuas na realidade do conflito como ajudam a importar para cá um sentimento de antagonismo entre comunidades que, quer vocês gostem, quer não, aprenderam a conviver bem. Que tal tomar o mesmo caminho?

Texto publicado originalmente no blog pessoal do autor.

Israel e Hamas: as vítimas, os algozes e os líderes

Tenho lido muitas opiniões – algumas publicadas na imprensa israelense, brasileira e internacional, outras em intermináveis e cansativas discussões pelo Facebook – sobre o que está acontecendo neste momento naquele canto do Oriente Médio que já teve o nome de Palestina e hoje abarca Israel, Cisjordânia e a Faixa de Gaza, especialmente. Tenho notado, pelas discussões e pelas perguntas que me fazem, uma confusão enorme sobre aquela região e os episódios recorrentes de violência entre palestinos e israelenses, para ficar apenas ali…

Trata-se de um conflito muito mais antigo do que a criação do Estado de Israel, em 1948, como alguns tentam fazer acreditar, o tempo todo… Além disso, é um imbróglio que tem a característica peculiar de, como alguns outros na história mundial, se repetir em ciclos.

O ciclo atual é de um confronto entre Israel e o grupo palestino Hamas, que tomou a Faixa de Gaza em 2007 à força, em um episódio que, segundo a Cruz Vermelha, deixou 118 mortos e mais de 550 feridos. O Hamas venceu as eleições parlamentares palestinas em 2006, um ano antes, e não teve sucesso para formar um governo de coalizão e, especialmente, para conquistar o apoio (financeiro, sobretudo) da comunidade internacional. O resultado foi uma escalada da violência com o grupo rival, o Fatah, com o qual, recentemente, firmou uma reconciliação.

Para que se tenha uma ideia de quão repetitivos são esses episódios, eles aconteceram nos mesmos moldes, com algumas pequenas diferenças, pelo menos duas outras vezes: em novembro de 2012 (operação Pilar de Defesa) e no final de 2008 (operação Chumbo Derretido). Em comum, eles têm o fato de que Israel, de um lado, e o Hamas, de outro, trocam mísseis e acusações, em um ciclo que parece interminável.

Algumas das diferenças: em 2008-9 (o conflito se estendeu ano novo adentro) houve uma incursão terrestre do Exército de Israel em Gaza, opção que não está descartada neste ciclo mas ainda não ocorreu. Como consequência, o número de mortos foi muito maior, dos dois lados (entre 1,1 mil e 1,6 mil, de acordo com a fonte). Em 2012, quando 2,3 mil mísseis foram disparados contra Israel, o Egito era governado por Mohamed Morsi, líder da Irmandade Muçulmana, grupo islâmico em que o Hamas, criado em 1987, tem suas origens.

O cenário, enquanto você lê este texto, é o seguinte. Em Israel governa uma coalizão de direita, sob a liderança do premiê Binyamin Netanyahu, e com extremistas como Naftali Bennet, que é contrário à criação de um Estado palestino, e como Avigdor Lieberman, que esses dias defendeu uma ação “até o fim” contra o Hamas, incluindo a retomada da Faixa de Gaza, da qual Israel retirou 8,5 mil colonos e a presença militar em 2005. Danny Danon, vice-ministro da Defesa, também linha-dura e controverso, foi afastado por Netanyahu depois de criticar a forma com a qual o governo estava conduzindo a operação.

Na Faixa de Gaza, Ismail Haniyeh é o líder político do Hamas. Curiosamente, três irmãs dele vivem no sul de Israel, como cidadãs do país. Mohammed Deif é o chefe do braço armado do grupo. O líder do braço político, Khaled Mashal, vive atualmente no Catar, e mesmo antes da onda de violência, estava em Damasco (de onde saiu em meio à guerra civil na Síria, que já matou mais de 170 mil pessoas em quatro anos). Um dos principais líderes do grupo no território, Mahmoud al-Zahar, teve sua casa destruída nos bombardeios de Israel, mas não estava no local no momento.

No Egito, depois da deposição de Mursi, no ano passado, e de novas eleições, governa Abdel Fattah el-Sisi, militar alinhado a Hosni Mubarak, ditador que presidiu o país por mais de 30 anos e deixou o poder em 2011, em meio à Primavera Árabe. Sisi tenta recuperar a capacidade de mediação que o Egito tinha com Mursi. Ditador anti-religioso e nacionalista, ele se posiciona contra o Hamas e, mesmo sem despertar confiança entre os palestinos, propôs um cessar-fogo entre o grupo e Israel.

Chegamos, então, ao ponto central deste texto. Com a proposta egípcia, o episódio atual do conflito correu o risco de fugir das previsões. Netanyahu, mesmo pressionado internamente para manter a ofensiva, aceitou a trégua e a colocou em vigor, suspendendo os ataques contra a Faixa de Gaza. O Hamas, entretanto, chamou o cessar-fogo de “piada”, por meio de um porta-voz, discutiu a proposta de forma interminável e não deu nenhuma resposta uníssona, retomando os disparos contra Israel, que respondeu dizendo que, diante dos ataques, não resta outra opção senão ampliar a operação contra o grupo.

Aqui, duas observações finais. Primeiro, que em meio disso tudo, sofrem os palestinos. Os israelenses também sofrem, mas bem menos, protegidos por um avançado e preciso sistema antimísseis e com a vantagem de ter para onde correr nos cerca de 15 segundos quando soa a sirene avisando a iminência de um míssil. Os palestinos, esses sim, sofrem de verdade, com mortos, feridos, casas e hospitais destruídos e, sobretudo, um futuro destroçado. E quem são os algozes dos palestinos? O senso comum diria que é Israel, que é quem ataca. Mas o verdadeiro algoz é o Hamas, que, mesmo enfraquecido e isolado, mantém os ataques sabendo da retaliação e ainda usa a população civil na Faixa de Gaza como escudos, ao disparar de dentro de mesquitas e de perto de escolas e ao dizer à população que permaneça mesmo tendo sido avisada sobre ataques iminentes de Israel. É o Hamas que impede a entrada ou confisca ajuda humanitária no território. É do Hamas que os palestinos precisam cobrar sua libertação.

Segundo, que Israel perdeu a chance de quebrar a rotina exaustiva desse conflito. Ao aceitar a trégua, mudou o jogo: mostrou que apesar de deixar de disparar contra Gaza, segue sendo atacada por extremistas do Hamas. Houve condenações dos bombardeios de Israel mesmo entre governos aliados, como Londres, Paris e Washington. A morte de palestinos civis é condenável em qualquer aspecto e em qualquer cenário, mesmo quando usados como escudos humanos. Depois, ao ser bombardeado novamente em meio à trégua, Israel cedeu às pressões enquanto deveria ter demonstrado contenção e, quiçá, ter fomentado um diálogo entre os palestinos. Perdeu a chance de mudar as coisas e de evitar mais mortes. O número já supera 190.

Texto publicado originalmente no site Brasil Post.

FAQ: Quero trabalhar em Israel como jornalista – como faço?

Vou abrir aqui no blog uma espécie de FAQ para responder a perguntas comuns que recebo de colegas jornalistas ou de curiosos sobre meu trabalho ou sobre o Oriente Médio, onde vivi durante sete anos. É uma forma de ajudar pessoas que tenham as mesmas dúvidas. De qualquer maneira, como sempre digo, os canais de sempre estão abertos para quem quiser escrever e perguntar. Igualmente, se alguém quiser complementar com alguma dica, deixem nos comentários e eu coloco aqui, com os créditos!

A dúvida de hoje tem a ver com o trabalho como jornalista em Israel. Aí vão algumas dicas, então.

Meu primeiro conselho é que você entenda bem sobre a região. Há coisas que não são ditas ou ensinadas e que você só vai aprender por lá, mas o Oriente Médio é provavelmente uma das regiões mais bem estudadas, comentadas, documentadas e conversadas. Há especialistas em todo lugar, gente muito boa, e é preciso aproximar-se dessas pessoas. E, antes de fazer as malas e mudar-se para Israel ou para a Palestina (uma opção a ser considerada), é preciso estar ciente de que você está embarcando com destino a um terreno que conhece bem, ao menos na teoria.

É preciso saber a diferença entre drusos e curdos, entender que existem judeus e muçulmanos seculares e ortodoxos, ter clara a noção de que nem todos os muçulmanos são árabes e nem todos os árabes são muçulmanos, conhecer a geografia e a história da região etc. É bastante trabalho. Mas é necessário. Faça a lição de casa com antecedência para não perder tempo (ou cometer erros evitáveis) na hora da verdade! Fiz um post a respeito certa vez que pode ajudar um pouco: Se você vai conversar sobre Oriente Médio com alguém, é bom saber…

É importante ter vínculos com algum órgão de imprensa fora de Israel, para ajudar no primeiro passo burocrático importante, que é o credenciamento junto ao Government Press Office (GPO). Com uma carta timbrada e assinada – e passando nos critérios deles – você recebe uma credencial de jornalista que se não abre muitas portas, pelo menos evita que se fechem outras (oficiais do Exército e autoridades políticas muitas vezes não conversam com jornalistas não credenciados, a menos que você tenha uma relação de confiança com eles). Na Palestina, a coisa é mais branda mas vale a pena também procurar o órgão responsável pela imprensae pelo menos conhecer as pessoas.

Para trabalhar como jornalista em um veículo israelense, existem algumas opções para quem não sabe hebraico mas domina o inglês bastante bem. Os principais jornais têm versões em inglês: o Haaretz, que tem edições impressas em hebraico e inglês e versão bilíngue também na internet, e o Yedioth Aharonoth, que tem versão em inglês apenas na internet. O Jerusalem Post é publicado apenas em inglês, mas eles são extremamente deficitários e não costumam pagar. Isso pode ter mudado, vale a pena um contato pelo menos para conhecer os jornalistas de lá (o jornal é uma porcaria do ponto de vista de conteúdo, mas tem gente muito boa).

Saber outros idiomas é sempre uma vantagem em Israel. Além de existir um público imigrante que fala uma imensa variedade de idiomas, do russo ao francês, de espanhol a amárico, há sempre iniciativas locais de veículos – em geral na internet – voltados para o leitorado fora de Israel. Quando eu morei lá, durante alguns meses trabalhei em um site que começou fazendo a tradução do Jornal Nacional local para quatro idiomas. Fui admitido para a desk de espanhol porque domino o idioma, embora seja brasileiro (eles não quiseram abrir um canal em português, com razão no meu entendimento). Mesmo na imprensa tradicional pode ser bom demonstrar habilidades em outras línguas, que podem ser úteis porque o país, o tempo todo, se relaciona intensamente com outras nações (seja porque houve um ataque contra israelenses na Bulgária ou porque o papa vai visitar a Terra Santa).

Hebraico e árabe, idiomas oficiais em Israel, são ferramentas importantíssimas na conversa com fontes. A coisa muda de figura (e isso não é nenhuma novidade) quando você entrevista um personagem no idioma dele em vez de as declarações ficarem perdidas em uma língua que não é a dele e menos ainda a sua – em geral, mas não sempre, vai ser o inglês. Terminei minha primeira entrevista em hebraico suando frio, mas com a sensação boa de ter deixado o entrevistado à vontade o bastante para se preocupar apenas com o conteúdo – e não com a forma – daquilo que estava me contando. Para se virar no dia a dia, entretanto, você na verdade não vai precisar nem do hebraico, nem do árabe: o inglês é amplamente utilizado, embora com sotaques característicos e caricatos, e não há preconceito ou barreiras significantes com relação a estrangeiros – muitos vão perguntar de onde você é e sorrir um sorriso largo ao ouvir “Brasil”!

Em questões práticas, a mais importante constatação é que a vida em Israel (especialmente em Tel Aviv, um pouco menos em Jerusalém) é cara. Muito cara. Os aluguéis são caros (embora desburocratizados, se você está acostumado à realidade brasileira). Vale a ideia de dividir apartamento, também pela experiência antropológica. A comida é cara. São questões que merecem planejamento para evitar problemas com dinheiro. É preciso ter um bom seguro de saúde, porque os hospitais são caros (e um seguro de vida, se você for cobrir conflitos!) O transporte público é de qualidade mas não funciona aos sábados… Ter um carro pode trazer dores de cabeça e alugar um pode ser caro. Há serviços de fixers (tradutores ou “fazem-tudo”, que podem te acompanhar em pautas específicas) e eles são caros!

Passando para uma questão mais filosófica, vale levar na bagagem a noção de que o conflito lá tem principalmente dois elementos essenciais: um é o fundamentalismo, dos dois lados. É o que faz com que um ortodoxo não olhe na sua cara por você ser mulher mas é também o que faz com que milhares deles continuem amarrados à ideia de permanecer em assentamentos na Cisjordânia. É, do outro lado, o que faz com que militantes disparem mísseis contra populações civis inocentes, desarmadas, e atinjam indistintamente escolas, asilos, supermercados ou, em um modelo já menos utilizado, ônibus e lanchonetes em ataques suicidas.

O segundo elemento tem a ver com a forma de pensar dos povos da região – e aí incluo os israelenses (judeus ou não), os árabes (muçulmanos ou não), os iranianos, os palestinos… Estamos acostumados a pensar com um modelo ocidental e a entender questões a partir dessa perspectiva. Mas as coisas não são da mesma forma lá. É preciso levar em conta isso ao conversar com um israelense secular, com um judeu ortodoxo, com um muçulmano comum, com um partidário do Hamas, com cada um por lá. Os conceitos que temos de democracia, de paz, de valor à vida etc etc etc são diferentes no Oriente Médio.

Texto publicado originalmente no blog Gabriel Toueg: Jornalista.

Este e outros textos do autor podem ser conferidos em http://gabrieltoueg.wordpress.com/

FAQ: Se você vai conversar sobre Oriente Médio com alguém, é bom saber…

A seguir, um “Oriente Médio 101“. São alguns fatos bem básicos sobre o Oriente Médio e os povos da região que você precisa saber (se é que já não sabe!) quando for conversar com alguém sobre o assunto. Há muito mais informações que podem entrar aqui. Se tiver sugestões, envie pelos comentários e eu avalio para acrescentar.

“Só podemos discutir aquilo que ninguém sabe” – Richard Feynman

Árabes e muçulmanos
Cada um com seu cada um. Árabes são parte de um grupo étnico, não de uma religião. Os árabes existem desde bem antes do Islã (a religião) e existem árabes cristãos e árabes judeus (sim!) Portanto, nem todos os árabes são muçulmanos. Há populações numerosas de árabes cristãos em todo o mundo, incluindo países como Líbano, Israel, Síria e Jordânia, por exemplo. E nem todos os muçulmanos são árabes – na realidade, dois terços da população muçulmana mundial não são árabes. Em comum os árabes têm o idioma árabe. E a origem geográfica na Península Arábica.

Israelenses e judeus
Igualmente, israelenses e judeus não são necessariamente a mesma coisa. Há judeus israelenses e israelenses judeus, mas há também judeus de outros países, como judeus brasileiros, judeus marroquinos, judeus turcos, judeus chineses; e israelenses de outras religiões, como muçulmanos, cristãos etc. O termo “israelita” (que apenas em Portugal é o correspondente do nosso “israelense”) se refere aos judeus, mas não pode ser confundido com “israelense”. E já que eu mencionei Portugal, por lá os palestinos são chamados de “palestinianos”. Judeus também podem ser árabes, como demonstrado acima.

Muçulmanos e o Islã
Islã é uma religião. O termo significa “rendição” ou “submissão” em árabe e faz referência à obrigação religiosa do muçulmano (o sujeito que segue a religião) de acolher a vontade de Deus. Outra palavra, “salam” (“paz”, também em árabe) está relacionada ao nome da religião, o que corrobora a noção de que a fé islâmica tem caráter pacífico e tolerante. O Islã pode também ser chamado de islamismo, embora esse conceito se refira mais ao Islã político. Dessa maneira, embora existam controvérsias, “islâmico” se refere ao que é da religião e “islamista”, ao Islã político. Para o historiador Daniel Pipes, é um erro ver todo o Islã como islamismo. “O islamismo é uma tendência dentro do Islã, no momento muito intensa”.

Judeus e o judaísmo
Na mesma lógica, judaísmo é a religião (judaica, dã) e judeus são os que seguem tal religião. Em português há uma confusão com os adjetivos “judeu”, “judia”, “judaico”, “judaica”. Explico: judeus e judias são os homens e as mulheres que seguem o judaísmo. “Judaico” refere-se aos judeus. Assim, um sujeito é judeu, mas a escola onde o filho dele estuda é judaica, não judia. A imprensa que o avô dele lê, com as notícias de casamentos ebarmitzvás, é judaica, não judia. A propósito, “judiar” e “judiação” são termos pejorativos, como “denegrir” ou “programa de índio”. Use, em vez desses, “maltratar”, “maus-tratos”. Se quiser, é claro. Na famosa canção “Asa Branca” há o verso “Eu perguntei a Deus do céu por que tamanha judiação“.

Semitismo e antissemitismo
É uma contradição estranha a afirmativa de que árabes são antissemitas. Os árabes, assim como os judeus, sãosemitas. Aliás, os etíopes também. A palavra tem origem no nome de Sem (“Shem”, em hebraico, daí o termo “antishemiut” para “antissemitismo). Sem era filho de Noé (aquele da Arca, lembra?) Assim como há povos semitas, há idiomas semitas – e entram na longa lista o hebraico, o árabe e o idioma dos etíopes (atenção: éamárico, não confundir com aramaico, origem do hebraico, e também um idioma semita).

Xiitas e sunitas
Diferente do que se acredita, a divisão entre sunitas e xiitas é muito mais política e jurídica do que teológica. E as correntes não são as únicas dentro do Islã – há, na realidade, várias centenas delas. Li que muçulmanos xiitas se equivalem a católicos romanos no cristianismo: têm uma presença clerical marcante, os imãs (viu que diferença enorme faz um acento?!) que exigem a observância religiosa. Muçulmanos sunitas seriam como protestantes: os imãs não têm um papel tão central e eles preferem uma linha mais direta com Deus.

Iranianos não são árabes
O povo do Irã, país no Golfo Pérsico, conhecidos como iranianos (dã) ou persasnão é árabe. Eles não falam árabe. Falam persa, idioma que é grafado no mesmo alfabeto do árabe. Turcos, por sinal, tampouco são árabes (e falam o idioma turco, que no passado era grafado, como o persa, com caracteres do alfabeto árabe). No Brasil existe uma confusão imensa quando se fala sobre imigrantes do Oriente Médio: não importa de onde vêm, são chamados de “turcos” – a razão disso pode estar no fato de que as primeiras ondas de imigração ocorreram durante a vigência do Império Turco-Otomano.

Jihad e intifada
É um erro traduzir o termo árabe jihad como “guerra santa”. O significado original da palavra é “esforço”, ou “esforço sobre si”. Contudo, as crises políticas das últimas décadas, aliadas ao extremismo islâmico ou islamista (que, atenção: é exceção, não regra), ajudaram a que passássemos a entender que jihad é sinônimo de guerra santa. Apesar disso, é correto afirmar que a guerra santa é uma forma de jihad. Embora esteja bastante associada à ideia de guerra santa, conflito armado etc, intifada é um “levante”, e pode ser também pacífico. As revoltas da Primavera Árabe são um excelente exemplo de levante pacífico. Que funcionam em alguns casos, como no Egito, não funcionam em outros, como na Síria, e viram violentas em outros, como na Líbia.

O lenço não é ‘palestino’
Você já deve ter visto (se é que já não usou) os lenços “palestinos”. Uso as aspas porque a keffiyeh é erroneamente usada como símbolo palestino. O pano fino, com estampa xadrez de diferentes cores, é algo muito mais étnico (e geográfico, por causa das duras tempestades de areia nos desertos do Oriente Médio) do que nacional. Uma pena que as pessoas associem o lenço a uma luta nacional – tanto aqueles que o usam como símbolo, de forma a provocar ou a tentar atrair olhares, como aqueles que condenam seu uso, como já vi muitas vezes (com o argumento imbecil de que “um terrorista suicida, quando se explode, usa keffieh“). Não se engane: às vezes, uma keffyieh é apenas uma keffyieh!

 

Última atualização: 20/5/2013 (foto: Joyce N. Boghosian/White House/BagNews)

 

Colaboração: Leslie Sasson Cohen e Solly Boussidan (colabore também, enviando sugestões de temas ou de abordagens; use o formulário a seguir ou os comentários, que poderão ser publicados)

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Texto publicado originalmente no blog Gabriel Toueg: jornalista.

Este e outros textos do autor podem ser conferidos em http://gabrieltoueg.wordpress.com/

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