Tag Arquivos: terrorismo

Fracasso e esperança (parte 2)

Na primeira parte do artigo, foi comprovada a ineficácia das operações militares israelenses para encerrar, definitivamente, a resistência terrorista palestina. O enfrentamento do Hamas e de outros grupos trouxe vitórias para Israel; no entanto, pontuais e de curto prazo. Essa descoberta não surpreende, já que a pesquisa da RAND previu as escassas chances, considerando o histórico desde 1968, de um grupo terrorista cessar suas atividades como resultado direto de uma guerra. Análises (1, 2, 3) indicam que o Hamas deve sair fortalecido da atual operação, como já havia sido previsto. Nesta segunda parte, será analisada a eficácia de prisões e mortes de lideres do Hamas, por meio de ações especificas e sem engajamento militar extenso. Importante ressaltar que a pesquisa da RAND aborda somente o fim definitivo e incondicional do terrorismo, desconsiderando pausas temporárias, tréguas ou atentados pontualmente evitados.

O primeiro inimigo israelense eliminado por “assassinato seletivo”, em 1956, foi Mustafa Hafez, Diretor de Inteligência egípcio na Faixa de Gaza. Desde então, o número de pessoas (palestinas ou nacionais de outros Estados) mortas por Israel, usando esse método, é maior que 200. A Organização Não-Governamental israelense B’Tselem estima que, entre o início da Segunda Intifada (29/set/2000) e o fim de 2010, 239 combatentes palestinos foram mortos por sikul memukad (“prevenção focalizada”), que é a expressão utilizada em Israel para fazer referencia a esta prática. No que tange a prisões, a última estatística oficial (Maio de 2014) apontava 6366 palestinos nas prisões israelenses, sendo 5053 por questões criminais e de segurança e os demais 1313 por presença ilegal no país.

Israel foi, em geral, bem-sucedido quando buscou matar os personagens do Hamas. Entre as vitimas fatais de renome, destacamos: Yahya Ayyash (principal desenvolvedor de bombas e foguetes); Salah Shehadeh (chefe do braço armado); Ismail Abu Shanab (oficial de alto escalão, considerado pragmático e moderado); Ahmed Yassin (fundador e líder espiritual); Abdel Aziz al-Rantisi (fundador e chefe do braço político); Adnan al-Ghoul (líder do braço armado e criador do foguete Qassam); Nizar Rayan (clérigo fundamentalista); Said Seyam (Ministro do Interior); e Issa al-Batran (líder do braço armado e fabricante de bombas e foguetes). Houve, entretanto, um famoso caso de retumbante fracasso. A tentativa de envenenar Khaled Meshaal na Jordânia, em 1997, por ordem do então primeiro-ministro Bibi Netanyahu, resultou em dupla crise diplomática com o Rei Hussein e o presidente estadunidense Bill Clinton. Bibi forneceu o antídoto para o veneno e foi pessoalmente à Jordânia, desculpar-se perante o Rei. Meshaal sobreviveu e foi alçado, entre os palestinos, à categoria heroica de “mártir vivo”.

O Hamas é um movimento islâmico popular, que recruta a maioria de seus membros de famílias pobres. No intuito de agradar seus apoiadores, mantém uma estrutura de filantropia e caridade, especialmente para a população de Gaza. A pesquisa da RAND, na página 39, explica:

A maioria dos grupos terroristas (…) precisa de uma base de apoio, a qual forneça suporte material, como dinheiro, esconderijos e recrutas. Eles também precisam de um ambiente hospitaleiro para sobreviver.

Nesse sentido, é importante analisar se e como os assassinatos seletivos e prisões de líderes do movimento alteraram a evolução do apoio oferecido pela população.popularidade hamasA primeira eliminação sofrida pelo Hamas, em janeiro de 1996, foi Ayyash, “O Engenheiro”. Analisando o gráfico, nota-se que exatamente nessa época o grupo observou forte declínio em sua popularidade, entre setembro de 1995 (16,6%) e março de 1996 (5,8%). No entanto, são os eventos anteriores e posteriores ao sikul memukad de Ayyash que explicam a piora na imagem do Hamas. Em julho e agosto de 1995, o Hamas executou dois atentados suicidas, matando onze israelenses. Em setembro, foi assinado o acordo de Taba entre Israel e OLP, no curso das negociações de paz de Oslo. Pesquisas de opinião apontavam que o acordo de Taba era apoiado por 72,1% do público palestino e que 85% votariam, nas eleições, em candidatos que apoiassem o processo de paz. Os atentados do Hamas foram vistos, por uma população momentaneamente moderada, como prejudiciais a esse processo, o que explica a perda de apoio observada.

Os assassinatos seletivos e prisões seguintes não influenciaram negativamente a imagem do grupo fundamentalista perante os palestinos. A Segunda Intifada, entre setembro de 2000 e fevereiro de 2005, foi o cenário da execução de dezenas de membros do Hamas, especialmente dos grandes líderes citados acima. Ademais, entre janeiro de 2001 e janeiro de 2006, o número de prisioneiros palestinos em Israel aumentou 467%. Apesar disso, desde meados de 1996 pelos 10 anos seguintes, a popularidade do Hamas cresceu solidamente, atingindo 37,7% em março de 2006. A queda observada na sequência não foi motivada por prisão ou sikul memukad de membros, mas sim pelo confronto com o grupo rival Fatah e, na tendência que segue até hoje, pela má percepção da administração desse território.

Outro aspecto a ser analisado é o operacional, ou seja, quão prejudicada fica a capacidade de ataque do Hamas após seus líderes serem presos ou mortos. Trabalho publicado em 2006 pelo College of William and Mary analisou o número de atentados terroristas, e as vítimas resultantes, antes e após os assassinatos de Salah Shehade e Sheik Ahmed Yassin. O insucesso israelense está assim descrito:

a questão é (…) se a morte de Shehade contribuiu para a redução de ataques terroristas contra israelenses; a estatística não gera essa conclusão. A estatística mostra que (…) o número de israelenses mortos cresceu, assim como a quantidade de ataques.

falando da execução de Yassin:

terrorismo não foi evitado, já que os ataques aumentaram em número. (…) Ademais, se um dos objetivos de eliminar líderes espirituais é acabar com a motivação de uma organização terrorista, então esse método foi um claro fracasso, tendo em vista que a motivação permaneceu alta.

200 mil palestinos no funeral do Sheik Ahmed Yassin em Gaza

200 mil palestinos no funeral do Sheik Ahmed Yassin em Gaza

Outro estudo, publicado pelo Strategic Studies Institute do Exército dos EUA em dezembro de 2008,  é mais abrangente, pois elenca os assassinatos seletivos entre as diversos métodos israelenses no combate ao terrorismo palestino. Ainda que associe-se a prática de sikul memukad a diversas outras (fora do foco da pesquisa da RAND), e ainda que conceda-se vitórias momentâneas ao contraterrorismo israelense, o longo prazo é inexorável:

Israel atingiu vitórias significativas em sua guerra contra os palestinos, ao fazer uso de assassinatos seletivos de lideranças; boicotes; cortes de eletricidade; ataques e detenções preemptivas; e punições a famílias, parentes, bairros (etc.) de militantes. Sua lógica contraterrorista baseia-se em reduzir a capacidade organizacional dos insurgentes. (…) No entanto, um advogado da causa admitiu que Israel não havia “vencido o ímpeto de resistência” [dos palestinos]. Essa confissão sugere que(…) os palestinos, apesar de todos os esforços feitos para enfraquecê-los e incriminá-los, para desencorajar ou prevenir seus apoiadores árabes não-palestinos de defender seus interesses, (…) poderiam gradualmente puxar os israelenses de volta a negociações abrangentes, ou insurgir-se contra eles. Moshe Sharett, o segundo primeiro-ministro de Israel, questionou: “Será que as pessoas consideram que, quando reações militares superam a severidade dos eventos que as originaram, graves processos são iniciados, os quais alargam o fosso e forçam nossos vizinhos ao extremismo? (…)”

O Hamas foi criado, em dezembro de 1987, como um movimento de resistência, adepto do terrorismo e contrário à forma como a OLP secular conduzia o relacionamento com Israel. Em 1996, o sikul memukad de Yahya Ayyash mostrou que o Hamas passara a ser uma preocupação relevante para a segurança israelense. Seus abomináveis ataques suicidas, sua violenta participação na Segunda Intifada e sua capacidade de expulsar as forças da Autoridade Palestina de Gaza, em 2007, mostram que o grupo ampliou seu poderio bélico, a despeito das ações israelenses. Sua popularidade cresceu continuamente, levando-o a um excelente resultado nas eleições de 2006. Desde 2007, Gaza é controlada pelo Hamas; por isso, Israel impôs um cerco estrangulador ao território, visando causar danos ao grupo, ainda que gerando intenso sofrimento à população civil. Mesmo assim, o Hamas conseguiu provocar diversos ataques do Exército israelense (culminando na atual Operação Margem Protetora), determinando os rumos da política de segurança e defesa de Israel desde a pacificação da OLP.

Não resta prova, após esse segundo texto, que um exército poderoso ou serviços de inteligência letais são, ainda que usados juntos,  ineficazes para dar fim ao terror do Hamas. Na sequência, serão abordadas as possibilidades desse objetivo ser concretizado por meio de pacificação e adesão ao processo político.


1a parte
3a parte

Fracasso e esperança (parte 1)

A operação Margem Protetora, iniciada por Israel em 8 de julho, tem seu objetivo declarado: fazer com que o Hamas e seus similares (Jihad Islâmica, Frente Popular para Libertação da Palestina, Comitês de Resistência Popular) sejam suficientemente enfraquecidos, a ponto de não mais atacar a população israelense – ao menos por algum tempo.

O termo mais popular para definir esse objetivo, constantemente ouvido de personagens políticos e militares israelenses, é “silêncio” ou “calmaria” (sheket em hebraico). No dia em que ordenou o início da última operação, o primeiro-ministro Bibi Netanyahu fez uma declaração ao povo, por meio dos canais de televisão, onde enfatizou:

“estamos agindo para (…) retornar ao silêncio, e continuaremos (…) até que o silêncio retorne”.

Desde a Segunda Intifada, ocorrida entre 2000 e 2005, os primeiros-ministros israelenses têm realizado sucessivas operações militares para combater o terrorismo palestino, sempre declarando estar em busca de “calma”. Em 2012, na operação Pilar de Defesa, o Ministro Yuval Steinitz citou a necessidade de “silenciar” Gaza. Na Operação Iemei Teshuvá (“Dias de Penitência”), empreendida pelas Forças de Defesa de Israel entre Setembro e Outubro de 2004, já se pretendia, segundo reportagem do jornal Haaretz,

“interromper o lançamento de mísseis Qassam à cidade de Sderot e à região do deserto do Neguev”.

10553494_10152181488216976_105117665857954692_n

Entre 2004 e 2014, Gaza, o Hamas e os demais grupos terroristas palestinos foram alvo de 8 grandes operações militares israelenses, sendo que o propósito de todas envolveu a busca de “silêncio” e “calma”. Não há mais como evitar uma óbvia conclusão: Israel falhou em atingir seus objetivos. As estratégias empregadas fracassaram e seguirão fracassando. Afinal, a meta de 2004 continua sendo a meta de 2014; Grads e Qassams ainda voam em direção a Ashdod, Ashkelon e Beer Sheva. Após o fim da Margem Protetora, não esperaremos muito até ouvirmos novas sirenes, corrermos para abrigos e esperarmos o terrível som dos foguetes estourando nas redondezas. Então, como conseguir “calma” em definitivo?

O think-tank estadunidense RAND foi atrás dessa resposta. O RAND foi criado após a 2ª Guerra, inspirado no sucesso do Projeto Manhattan – que criou a primeira bomba atômica. Por lá passaram pensadores como John Nash, Henry Kissinger e Condoleezza Rice, e diz-se que lá iniciou-se a criação da Internet, dos satélites da NASA e dos computadores modernos.

Em 2008, no calor do embate entre os Estados Unidos e o grupo terrorista islâmico Al-Qaeda, pesquisadores do RAND se perguntaram: como acabar com grupos terroristas? Como esses grupos deixam de existir, ou deixam de praticar atos terroristas para atingir seus objetivos?

O RAND utilizou-se de métodos estatísticos, além de seu banco de dados com informações sobre 648 grupos terroristas que existiram no mundo entre 1968 e 2006. A pesquisa foi direcionada ao governo dos EUA, para orientá-lo a combater e vencer a Al Qaeda. Entre as diversas conclusões e descobertas do estudo de mais de 200 páginas, fica evidente como o contraterrorismo israelense seguirá falhando se mantiver sua política atual.

De acordo com o estudo, o fim de um grupo terrorista pode acontecer por 5 motivos:

  • pacificação e adesão ao processo político;
  • prisão ou morte dos membros do grupo por polícias ou agências de inteligência;
  • derrota frente a ofensiva (guerra) de exército nacional;
  • vitória ao atingir seus objetivos;
  • desagrupamento e adesão dos membros a outros grupos – neste caso os terroristas costumam seguir na ativa, o que o exclui como um fim para o terrorismo.

Os resultados são um (esperado) balde de água fria na estratégia israelense: em somente 7% dos casos a derrota em guerra, como a que Bibi realiza em Gaza, causou o fim do terrorismo. A pacificação é o fim mais freqüente (43%), seguido de perto pela atuação de polícias ou serviços secretos (40%). Nos demais 10%, os grupos enxergam seus objetivos cumpridos e encerram suas atividades.

O desfecho da operação Margem Protetora já é conhecido, pois assim foi desde o fim da Segunda Intifada: Gaza em ruínas, crianças do sul de Israel apavoradas pelas sirenes e pelo trauma, centenas de palestinos inocentes mortos, famílias israelenses chorando seus filhos perdidos em combate. Também veremos o Hamas declarando-se vitorioso, provavelmente ao mesmo tempo em que Bibi e seus ministros dirão que Gaza voltou ao “silêncio” e que Israel deu um forte golpe no terrorismo palestino. Até a próxima operação, a próxima ofensiva ou a próxima guerra.

As rotineiras tentativas de desmontar o aparato terrorista de Gaza, por meio de operações militares israelenses, falharam. Os foguetes chegando a Tel Aviv e Haifa comprovam que, apesar de empobrecido e isolado, o Hamas ampliou sua capacidade bélica e seu contingente. Entretanto, encerrar a análise por aqui não indicaria o caminho para que Israel veja-se, finalmente, envolto de “calma” e “silêncio”. Nos próximos artigos, nos aprofundaremos no estudo apresentado pelo RAND e no quanto Israel conseguiu – ou não – interromper o terrorismo palestino por cada um dos outros meios destacados – pacificação e processos políticos, ação policial e de inteligência.


P.S. – É problemático abordar o fim do terrorismo palestino sendo motivado pela sua vitória, tendo em vista que os diversos grupos possuem objetivos conflitantes e, às vezes, não claramente definidos. Tais objetivos variam desde um califado islâmico em toda a região, até um Estado palestino secular e democrático nas fronteiras de 1967. O Hamas declara em seu estatuto que busca erradicar o sionismo da Palestina e implantar um Estado fundamentalista islâmico; no entanto, seus líderes já se manifestaram a favor de uma solução de dois estados (veja aqui e aqui), ou seja, reconhecendo Israel. A Fatah, por outro lado, é um movimento secular que tem cooperado amplamente com Israel nos últimos anos. Finalmente, não passa pela cabeça de ninguém (são e consciente) a possibilidade de Israel deixar de existir, ou de os palestinos deixarem de buscar um Estado independente e soberano.


2a parte
3a parte