“Os judeus não aprenderam nada com o Holocausto”

Podemos dizer que a internet é, atualmente, se não a principal, uma das principais ferramentas de divulgação de conhecimento e opiniões. Diariamente são publicados, comentados e compartilhados milhares de artigos acerca dos mais variados assuntos. O conflito árabe israelense é tema recorrente, e chama a atenção por sua polêmica e não rara polarização de opiniões.

O espaço para comentários dos leitores nos diversos portais de notícias é interessantíssimo, já que traz os mais diversos pontos de vista e pode servir para favorecer a troca e o diálogo; mas quando não utilizado com responsabilidade, pode ser muito perigoso.

No site Opera Mundi, por exemplo, que conta hoje com 32.991 seguidores no Facebook e 23.291 no Twitter, a recente publicação do artigo “Maioria dos judeus em Israel é a favor do Apartheid”, citado e comentado aqui por Uri Politis, gerou uma série de comentários, muitos deles com alto teor racista.

Não irei abordar aqui aqueles que escancaram o apoio à barbárie e ao genocídio, que são inadmissíveis e devem ser rechaçados em qualquer circunstância. Cito um deles apenas de maneira ilustrativa:

Assim como o comentário acima, outros insistem em trazer à tona a temática do Holocausto e do nazismo, fazendo uma comparação sistemática que aproxima o regime totalitário de Hitler com a atual situação do Oriente Médio. O mínimo de bom senso e estudo é suficiente para perceber as diferenças brutais entre uma coisa e outra e, por isso, também não perderei tempo fazendo tal distinção.

Porém, acho que vale a pena refletirmos aqui sobre uma ideia muito presente no discurso daqueles que criticam o Estado de Israel afirmando que “os judeus não aprenderam nada com o Holocausto”, como é o caso dos comentários abaixo:

Sem fazer grandes interpretações, percebemos que o que está por trás deste tipo de afirmação é a crença de que o assassinato de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial ocorreu para ensinar algo a esse povo.

Assim, dizer que os judeus deveriam ter aprendido algo, e não aprenderam, é conceber o genocídio judaico como uma espécie de “lição” ou “castigo” que não surtiu efeito. E ainda mais: é afirmar que o holocausto não foi suficiente.

Tais interpretações demonstram um erro grave de leitura dos acontecimentos históricos. Deveriam ter aprendido algo os negros com 300 anos de escravidão? Ou os japoneses com os absurdos vividos em Hiroshima e Nagasaki?

Se o Holocausto pode nos trazer algum ensinamento, é um ensinamento válido para toda a humanidade: a que ponto o preconceito e a intolerância podem chegar. Mas o fato é que não vemos este tipo de argumentação quando se critica a opressão em qualquer outro conflito espalhado pelo mundo.

O que podemos e devemos reivindicar do Estado (e não do povo) judeu é o respeito às leis internacionais e aos direitos humanos garantidos por elas, sem se utilizar de uma das maiores catástrofes da história mundial para criticar uma comunidade étnico-religiosa. Devemos nos solidarizar com todos os que são e foram vítimas da opressão da mesma maneira, sendo coerentes e rechaçando qualquer forma de discriminação e barbárie vividas no passado, no presente e no futuro.

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2 Respostas para ““Os judeus não aprenderam nada com o Holocausto””

  1. Sérgio Storch
    08/11/2012 em 1:09 #

    Gabriel, gostei muito da sua análise. Mas acrescento um aspecto: essas manifestações de leitores são em parte aceitáveis dentro do que é a liberdade de expressão. Em parte são inaceitáveis dentro do sistema legal brasileiro, que é mais refinado, ao menos em comparação com o norteamericano (desconheço os europeus).

    Por exemplo, o “é uma pena Hitler não ter sido mais competente” me parece ferir a Lei Afonso Arinos, e deveria portanto ser recusado pelo dono do site, se houvesse alguma sanção a esse respeito.

    Com isso quero dizer que uma análise jurídica competente poderá mostrar possibilidades de responsabilização de sites por conteúdos neles publicados por terceiros. Não é isso que algumas campanhas contra a Facebook têm reivindicado? Aqui essa reivindicação não tromba com a First Amendment como ocorre nos EUA. No Brasil a proteção dos direitos das minorias é mais forte que o direito à liberdade de expressão.

    Não acho que o caminho seja a censura, mas a contenção do discurso dentro de limites civilizados pode ser objeto de campanhas de difusão de valores éticos, acompanhadas de responsabilização dos veículos pelos conteúdos que divulgam. Um paralelo: os códigos de ética nas empresas têm avançado graças à pressão que vem através dos mercados financeiros.

    O desenvolvimento de uma cultura de paz requer esse tipo de ativismo. E é de interesse comum de várias minorias. Ou seja, é um campo de cooperação possível entre jovens judeus e árabes, especialmente tendo em consideração que a islamofobia é hoje, nos países do Norte, um fenômeno muito mais perigoso do que o antissemitismo, e que os jovens árabes ou muçulmanos daqui podem ter esse tipo de sensibilidade, que jogaria a nosso favor (e no deles).

    O Brasil, que já inovou bastante na proteção de direitos humanos, pode ainda inovar muito mais.
    Parabéns pela análise! Acho que os jovens têm um papel fundamental em levantar a bandeira do combate à violência, física (nos trotes, por exemplo) ou verbal, como é o caso que você trouxe. Vejo como um tema para debate com especialistas (Eugênio Bucci, por exemplo).

    É claro que o que estou propondo vale também para o que se passa do nosso lado. Se você fizer uma análise do discurso de alguns colunistas nas revistas de nossa comunidade, encontrará com frequência textos que o envergonhariam diante de um muçulmano ou de um palestino com quem você se propusesse a dialogar. Já questionei um dirigente de confederação sobre a violência em textos na imprensa judaica. Me respondeu como se não pudesse fazer nada a respeito. Que tal analisarmos para ver se ele está mesmo certo? Se estudarmos alternativas para coibir abusos de linguagem do nosso lado, creio que nos fortaleceremos com conhecimento para coibir os abusos dos que nos atacam.

    Enfim, acho que na questão que você traz nós temos uma lição de casa a fazer, para ganharmos força. E a força contra os fãs do nazismo necessariamente requer a cooperação com outras minorias. Não estamos sozinhos, e nossa força virá da universalização do combate à violência verbal contra minorias.

  2. Clemente Pavia
    11/11/2012 em 23:26 #

    Gostei muito do artigo de Gabriel Douek, porque parece-me bem fundamentado em argumentos. O que me escandaliza são os exemplos que Gabriel utilizou…Em minha opinião são julgamentos de valor sem qualquer conhecimento dos fatos e total falta de argumentos! Simplesmente afirmações de carater preconceituoso e que nada agregam e somente difundem o ódio e o racismo! E olha que tem um dos depoentes com mestrado em História; este sim é que ainda não aprendeu nada!!! Todo o ser humando deveria estudar a história do mundo e dos povos para entender a sua própria origem e história!!! E todo o ser humando deveria visitar pelo menos uma vez na vida um campo de concentração para entender o que realmente é e a que ponto pode chegar a crueldade humana…Eu duvido que qualquer uma desta pessoas, cujas afirmaçoes foram exemplificadas no artigo do Gabriel, tenha sequer visitado um campo de concentração ou visitado um museu do holocausto.

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