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Brasil condena Israel: a matemática da morte

Na última quarta-feira o governo brasileiro se pronunciou, classificando a violência em Gaza como inaceitável, e convocando o Embaixador do Brasil em Tel Aviv a Brasília para consultas.

O Governo brasileiro não é o único a condenar as atitudes de Israel. Várias manifestações, em diferentes países, veem sendo realizadas contra Israel, muitas delas desembocando em atos antissemitas. Nas redes sociais, não é diferente: nos deparamos com inúmeras postagens que reduzem a complexidade do conflito, transformando-o entre uma luta do bem contra o mal. Nestes discursos polarizados, de ambos os lados, o maniqueísmo utilizado nem sequer é debatido, e a ênfase fica apenas na discussão de quem é o mocinho e quem é o bandido.

A matemática da morte

Analisando-se a nota do Itamaraty, a pergunta que fica é: o que leva Israel ser considerado o grande vilão, apesar das provocações do Hamas?

A resposta parece estar na alegada desporpocionalidade do ataque israelense. De fato, os números revelam que há muito mais vítimas fatais do lado palestino. Formar um posicionamento torna-se, então, simples: um placar de vítimas aponta Israel como o principal agressor; portanto, condenamos Israel e nos solidarizamos com Gaza.

Utilizar as mortes como mero dado estatístico, transformando-as em um placar, é um desrespeito a todas as vítimas, vivas e mortas, dos dois lados desse conflito. A impressão que fica é que pelo fato de um dos lados ter “matado mais”, isenta-se o outro, que “matou menos”. Logo, nesse caso, as mortes de israelenses perdem importância.  Porém, o fato de haver mais mortes de palestinos do que de israelenses não deve ser utilizado para eximir a culpa do Hamas, as práticas terroristas e a utilização de civis como escudos humanos. Mais correto seria condenar os responsáveis por práticas ilegais e crimes contra a humanidade em ambos os lados.

Tomar apenas o número de mortos para definir a gravidade de uma agressão traz ainda o risco de tornar o conflito israelo-palestino irrelevante. Isso porque o número total de mortos neste conflito é ínfimo se comparado a outros conflitos do Oriente Médio e até do Brasil. Seguindo a matemática da morte, chegaríamos não só à conclusão de que o Israel é o agressor no caso do conflito israelo-palestino, mas também àquela que afirma que o conflito é menos relevante do que outros pela inferioridade do número de mortos.  O que angustia, contudo, é o fato de que os mesmos que destacam o conflito israelo-palestino entre todos os demais, de forma contraditória, utilizam os números de mortos para definir o agressor e o oprimido. Ou seja: para estes, o número de mortos se mostra válido para definir o agressor, mas não para medir a relevância do conflito.

A desumanização do soldado

Outro fator que preocupa é a desumanização dos soldados israelenses. No cálculo de mortes, a baixa de um soldado parece ser irrelevante ou ter um valor inferiror quando comparado à de um civil. Concordo com a distinção entre soldados e civis, uma vez que soldados possuem treinamento para lidar com situações de conflito – tanto para se defender como para atacar -, ao passo que civis são totalmente despreparados e desprovidos de quaisquer artefatos, seja para se defender ou para atacar. A farda de um soldado, contudo, não o faz menos humano que um civil, e, portanto, sua morte também deve ser lamentada. Soldados israelenses foram colocados em linha de fogo em uma ação militar do governo cujo objetivo é defender os civis do país, e não massacrar os civis palestinos. Concorde-se ou não com a ação, soldados não devem ser considerados vilões.

Israel e Hamas: Homicídio culposo x tentativa de homicídio

Obviamente, por mais que o alvo de Israel não sejam os civis palestinos, erros acontecem. Israel bombardeia Gaza, o Hamas utiliza civis palestinos como escudos humanos, e o resultado é o que vemos nos noticiários: morte de civis palestinos.

Do outro lado, temos o Hamas lançando mísseis a Israel constantemente, cujo alvo são, neste caso, civis israelenses. Porém, abrigos e o sistema antimíssil de Israel (Iron Dome) contribuem para que os mísseis do Hamas não atinjam seus objetivos.

De forma atrevida, poderíamos traçar um paralelo com o direito penal: as ações de Israel contra os civis em Gaza seriam algo próximo do homicídio culposo, isto é, sem dolo, sem intenção de matar. No caso do lançamento de mísseis do Hamas contra Israel, comete-se algo próximo à tentativa de homicídio, em que há a intenção de matar, mas se é incapaz de executar.

Apenas a título de curiosidade, segundo o Código Penal Brasileiro, a pena para homicídio culposo é de 1 a 3 anos de detenção, enquanto a pena para tentativa de homicídio é de 2 a 13 anos e 4 meses de reclusão.

Considerações finais

Não escrevo com a audácia de dizer a verdade sobre o conflito para provar quem é mocinho e o bandido. Escrevo com o objetivo de apresentar uma reflexão de que esse conflito não deve ser simplificado. Discursos polarizados e condenações a apenas um lado, tal como fez o Itamaray, não ajudam no entendimento das questões que estão em jogo. É importante nos solidarizarmos com as mortes de ambos os lados e criticarmos os responsáveis de ambos os lados, deixando o maniqueísmo de lado e procurando entender melhor o que está ocorrendo.

Nelson Mandela e os judeus

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Nelson Mandela e líderes da comunidade judaica.

No dia 5 de dezembro, faleceu, aos 95 anos de idade, o líder sul africano Nelson Mandela. Maior símbolo de combate ao apartheid, Mandela, se tornou um grande ídolo, amado por toda a África do Sul, inclusive pela comunidade judaica local.

Alguns judeus desempenharam um papel significativo na vida de Mandela e na luta contra o regime de segregação racial que vigorou no país de 1948 a 1994. O primeiro deles foi o advogado Lazar Sidelsky, que, em 1942, contratou o jovem Mandela como assistente jurídico. Em sua autobiografia, “Longa Caminhada para a Liberdade“, Mandela fez o seguinte relato sobre o escritório de Lazar Sidelsky:

Era uma firma judaica, e na minha experiência eu descobri que judeus têm mentes mais abertas do que a maioria dos brancos nos temas de raça e de política, talvez devido ao fato de eles próprios terem sido historicamente vítimas de preconceito.

Durante os anos em que a África do Sul esteve sob o regime de apartheid, muitos judeus assumiram papéis de liderança no Partido Comunista (PC) e figuraram entre os poucos sul africanos brancos que tratavam seus companheiros negros com dignidade e igualdade. Como consequência, muitos pagaram um alto preço, com o ostracismo social, prisão e exílio. Dentre eles estava Albie Sachs, que, em 1994, foi nomeado por Mandela juiz do Tribunal Constitucional da África do Sul; Joe Slovo, que posteriormente tornou-se ministro da habitação no gabinete do presidente Mandela; e Gill Marcus, que se tornou vice-ministra das Finanças no gabinete de Mandela, e fez história em novembro de 2009 ao se tornar a primeira mulher a ocupar o cargo de Presidenta do Banco Central da África do Sul (South African Reserve Bank).

No famoso Julgamento por Traição, que se iniciou em 1956 e terminou apenas em 1961, com todos os acusados inocentados, um número expressivo de judeus ativos na luta contra o racismo estiveram presentes como réus e como advogados de defesa. Anos mais tarde, em 1964, no Julgamento de Rivonia, em que dez líderes do Congresso Nacional Africano (CNA) foram julgados por sua oposição ao regime – entre eles, Nelson Mandela, que recebeu a pena de prisão perpétua – um fato curioso: todos os cinco réus brancos daquele Tribunal eram judeus.

Outra personalidade de destaque com quem Mandela cultivou amizade foi Helen Suzman. Ativista na luta contra o apartheid, durante 13 anos (de 1961 a 1974) protagonizou um papel importante no Parlamento: a de ser a única deputada a se opor abertamente às práticas racistas na África do Sul. Ela visitou Mandela inúmeras vezes na prisão e esteve ao lado dele em 1996, ao assinar a nova Constituição.

Nelson Mandela ao lado de Helen Suzman, em 1990.

Nelson Mandela ao lado de Helen Suzman, em 1990.

A lista de judeus que atuaram próximos a Mandela e companheiros em sua luta é extensa. Embora não seja possível mencionar todos neste artigo, não podemos deixar de citar o Rabino Cyril Harris, Rabino-Chefe da África do Sul durante o período de 1987 a 2004, que desenvolveu um trabalho social relevante para a comunidade negra, criticou diretamente o sistema de segregação racial e buscou o diálogo com líderes do Partido Nacional  com o objetivo de flexibilizar o regime de apartheid.

Rabino Cyril Harris

Rabino Cyril Harris

Mandela e o Rabino Harris desenvolveram uma amizade afetuosa. Na posse de Mandela como presidente, em maio de 1994, o Rabino Harris fez um discurso comovente.  Frequentemente, Mandela se referia a ele como “meu rabino”. Em 1998, Mandela o convidou para dar uma bênção em hebraico no seu casamento com a moçambicana Graça Machel. O casamento estava marcado para 18 de julho, dia do octogésimo aniversário de Mandela, mas como era Shabat, o Rabino Harris explicou a Mandela que não poderia participar da cerimônia. Mandela fazia questão da benção do Rabino e, como solução, o Rabino Harris abençoou o novo casal na sexta-feira, antes do início do dia sabático. O Rabino Harris faleceu em 2005. No dia de seu enterro, em Jerusalém, o Embaixador sul africano esteve presente e discursou calorosamente sobre o “nosso rabino”.

A relação de Mandela com o Estado de Israel e a comunidade judaica também teve seus momentos difíceis. Durante a época do apartheid, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) havia construído uma relação estreita com o Congresso Nacional Africano (CNA), sendo que, durante alguns anos, ajudou a capacitar os membros de sua ala militar. A proximidade entre Mandela, Yasser Arafat e a OLP, que na época se recusava a reconhecer o direito de existência de Israel, rendeu críticas ao líder sul africano por parte da comunidade judaica local. Entretanto, Mandela simpatizava com Israel e com as aspirações do povo judeu de viver em paz com seus vizinhos árabes.

Mandela visitou Israel e a Cisjordânia pela primeira vez somente em outubro de 1999, época em que já não era presidente. Líderes da comunidade judaica sul africana o acompanharam e, ao reencontrar o Rabino Harris na Terra Santa, Mandela afirmou: “Agora me sinto em casa – meu rabino está aqui.”

Como presidente da nova África do Sul, Nelson Mandela realizou um ótimo trabalho. De forma notável, manteve o país unido em um momento tenso, que poderia ter culminado em uma guerra civil envolvendo diversas facções. Em grande medida, isso se deve à sua generosidade, carisma extraordinário e habilidade política para lidar com os diversos grupos que compunham a sociedade sul africana. Por esse legado, Mandela será um líder eternamente lembrado.

Michel Gherman: “O conflito Palestino – Israelense tem muito mais do que dois lados”

por Michel Gherman

Esta é minha primeira semana neste retorno a Jerusalém e (finalmente) posso ter uma certeza. E com esta certeza aqui vai também um recado aos preguiçosos, simplificadores e patrulhadores de plantão: o conflito Palestino – Israelense tem muito mais do que dois lados e muito mais cores do que se imagina!

E as fichas vão caindo. Ligo pra Mariam, amiga minha palestina do leste de Jerusalém. Mulher radical, anti-sionista. Minha preocupação é saber como ela está – ela esteve trabalhando em um projeto em Gaza e tem família lá. Ela disse que, por enquanto, estava tudo bem, que estava preocupada, e passou a vociferar contra o Hamas. Mariam é feminista e sabe bem no pé de quem o calo aperta em Gaza do governo do Hamas. Ela diz: “Agora sim o Hamas e seus aliados estão enturmados e fazem bem o que esperam deles”. Do que você está falando Mariam? “Os reacionários do Qatar e a direita fascista de Israel começaram a dialogar. Conversam pelos foguetes”.

Na televisão, vejo Ephraim Sne, ex-ministro do Partido Trabalhista, comentar: “Alguém tem alguma dúvida de que o Hamas e o Governo Bibi/Liberman são aliados? De um lado, Abu Mazen tenta dialogar e exige o reconhecimento da Palestina; de outro, o Hamas tenta deslegitimar o governo Palestino da Cisjordânia e não tem nenhuma movimentação política em nível internacional. O governo Bibi/Liberman quer acabar com qualquer possibilidade de diálogo. Abu Mazen está enfraquecido em um mar de novos governos da Irmandade Muçulmana. O que falta para a vitória do núcleo Hamas – Bibi/Liberman? Uma Guerra. De preferência, com vítimas civis dos dois lados”. Ao lado de Sne, uma deputada do Likud cujo nome não lembro (e que diferença faz?) tem olhos fixos na tela dizendo: “Exército deve entrar neles, é o momento de mostrar para eles…”. Ok.

Eleições em Israel, fenômeno interessante: pela primeira vez, há mais jornalistas concorrendo do que generais, o que causa um sentimento de insegurança nas forças que estão no poder. Além disso, as pesquisas apontam para um fortalecimento do bloco de centro-esquerda, que circula hoje em torno de uma agenda social e não de política internacional. Opa! Uma Guerra faz voltar tudo ao mapa da simplificação, então… Por que não?

Liberman e Bibi, de olho nas eleições, concordam, e o Hamas, de olho em Abu Mazen, apoia. Inicia-se o diálogo fundamentalista-direitista. Formam-se torcidas, surgem vítimas… “Ufa que alívio, tudo volta para um cenário mais previsível e confortável”.

Quinta –feira, dia de sol, quente e agradável. Ligo pra minha irmã, que mora em Gan Yavne, não distante de Gaza e com quem tinha falado ontem à noite, logo após o exército israelense ter matado Ahmed Jaber, líder do Izzadim Al Kassam, grupo militar do Hamas. Do outro lado da linha, ela estava assustada com as sirenes e avisos de ataque – mais de 20 em um dia. Hoje, ela está mais tranquila. Saiu de Gan Yavne, em direção a Jerusalém. Diz que a noite foi mais calma, que o problema foi a manhã, com mais de 10 sirenes, suas duas crianças de 3 e 1 ano chorando e interrupções constantes na arrumação das malas para entrar em abrigos. Há dúvidas de que se tratam de vítimas civis?

Se ainda há dúvidas (e pra contribuir com a percepção de complexidade que este conflito tem), conto minhas experiências nas ruas de Jerusalém pela manhã.

Saio para pagar uma conta, volto de ônibus. Na minha frente, uma menina morena de 18 anos com uniforme do exército e cara de colegial. Está claro que exerce alguma função meramente burocrática no exército, impressão que se confirma na conversa seguinte: “Mãe, ainda tem bombas em Kriat Malachi? Teve sirene hoje? Bom, vou te falar uma coisa: Haim morreu; e Milena tá ferida. É, me avisaram agora. Calma… toma a água e me liga”.

Não tenho certeza se eram esses os nomes, mas o importante nesta cena é o que se entende com a origem das vítimas: Kriat Malachi é a periferia da periferia social de Israel. Judeus de origem norte africana, imigrantes etíopes e russos habitam uma das cidades com piores índices sociais do país, de onde é raro saírem comandantes e executivos. Kriat Malachi é uma cidade de soldados, operários e desempregados, apesar de eventualmente surgirem políticos canalhas. A menina que fala ao telefone tem a voz firme, apesar de mãos trémulas. Ao desligar, chora em silêncio. Há alguma dúvida de que se trata, apesar do uniforme, de vítimas civis?

Para terminar as experiências da manhã, observo, em minha chegada à universidade, uma manifestação. De uma lado, estudantes com bandeiras palestinas; de outro, estudantes com bandeiras de israel. O “lado israelense” grita pela libertação de Gaza, se referindo ao fim do governos Hamas. O “lado palestino” berra contra o Estado Terrorista. A manifestação, apesar de barulhenta, não cria comoção: a maioria dos estudantes, árabes e judeus, passa e decide não se manifestar, em nenhum dos “dois lados”…

Hoje, não conversei com nenhum habitante de Gaza; não conheço ninguém que viva em Gaza hoje. Tenho que dizer que a característica das futuras vítimas civis de Gaza e de Israel (e não tenho dúvida que serão em número desproporcional, o que não afeta a análise) é essencialmente a mesma. São vítimas por opção… opção de seus respectivos governos.

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Michel Gherman possui graduação em História com licenciatura em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É Mestre em Antropologia e Sociologia pela Hebrew University of Jerusalem. Atualmente, cursa doutorado no Programa de História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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Maioria dos judeus israelenses não é a favor do apartheid

No último dia 23/10, o portal Opera Mundi publicou um artigo assinado pela jornalista Susana Mendonza a respeito de uma pesquisa feita em Israel que supostamente apontava a maioria dos judeus israelenses como a favor de um apartheid na Palestina. A manchete afirmava: “Maioria dos judeus em Israel é a favor de apartheid na Palestina”:

Notícia publicada no site Opera Mundi.

A notícia citava como fonte o jornal israelense Haaretz. Ao checar, pude constatar que, de fato, tais informações constavam em um texto assinado por Gideon Levy, sob o título “Most Israelis support an apartheid regime in Israel”.

Notícia publicada no jornal israelense Haaretz. A manchete afirma: "Maioria dos israelenses apoia um regime de apartheid em Israel".

Twitter do Haaretz traz a chamada para a notícia em seu site em inglês.

Um leitor atento, porém, logo percebia determinados equívocos em relação à interpretação dos resultados apresentados: não havia nenhuma base nos dados colhidos que indicasse que a maioria dos judeus israelenses apoiasse um apartheid.

Como era de se esperar, dias depois, o próprio jornal Haaretz publicou um artigo em que Yehuda Ben Meir, especialista em pesquisas de opinião, analisava os resultados e concluía: é equivocado afirmar que a maioria dos judeus em Israel seja a favor do apartheid.

Artigo de Yehuda Ben Meir publicado no Haaretz.

Gideon Levy reconheceu o erro e se desculpou publicamente, nas páginas do mesmo jornal:

Pedido de desculpas feito por Gideon Levy após ter interpretado erroneamente o resultado da pesquisa.

Segundo o jornalista israelense,

Este artigo serve para corrigir alguns erros. Eles não deveriam ter acontecido; devemos reconhecê-los, pedir desculpas por eles e corrigí-los. Eles não foram feitos intencionalmente, mas como resultado de negligência devido à pressão do tempo. Agora é o tempo para esclarecer as coisas.

A manchete do artigo original foi, então, modificada. Em vez de “Most Israelis support an apartheid regime in Israel”, passou a ser “Most Israeli Jews wouldn’t give Palestinians vote if West Bank was annexed”:

A manchete do artigo foi modificada.

Uma nota introdutória explica as razões da mudança:

ESCLARECIMENTO: O título original deste artigo, ‘A maioria dos israelenses apoia um regime de apartheid em Israel’, não reflete precisamente os resultados da pesquisa. A questão para a qual a maioria dos entrevistados responderam negativamente não se relaciona com a situação atual, mas a uma situação hipotética no futuro: ‘Se Israel anexasse os territórios na Judeia e Samaria, deveria ser dado aos 2,5 milhões de palestinos o direito de voto para o Knesset?’

Em resumo, a pesquisa não evidencia que a maioria dos judeus israelenses seja a favor do apartheid. Interpretada da maneira correta, a pesquisa afirma apenas que em uma situação hipotética de anexação dos territórios de Judeia e Samaria a maioria dos israelenses é contra a extensão do direito de voto aos palestinos. Porém, a mesma pesquisa indica que a maioria dos israelenses é contrária a tal anexação; logo, não se pode inferir que a maioria dos judeus israelenses seja a favor do apartheid na Palestina.

Agradecimentos

O presente artigo teve a colaboração do colega Daniel Douek com informações e ideias para sua elaboração.

A comunidade judaica e as eleições no Rio de Janeiro

É tempo de eleições municipais. Como não poderia deixar de ser, debates acalorados envolvendo candidatos, partidos e suas propostas intensificaram-se nos últimos dias. A comunidade judaica não fica de fora e, além de organizar encontros com os principais aspirantes aos cargos de prefeito e vereador em diversas cidades do país, organiza-se para apresentar suas próprias reivindicações àqueles que almejam o cargo de representantes do povo. Além de questões ligadas especificamente à cidade em que habitam, temas como antissemitismo, Estado de Israel e sionismo costumam influenciar a atitude de grande parte dos judeus na hora de definir o voto. Isso é particularmente perceptível no atual cenário político e eleitoral carioca.

O Rio de Janeiro vive um momento especial. Embora eu seja paulista, pude perceber o entusiasmo de muitos amigos cariocas, especialmente os jovens, como há muito não se via durante uma eleição. São pessoas que fazem campanhas nas ruas e nas redes sociais, adotando, inclusive o sobrenome de seu candidato em seus próprios nomes nas contas do Facebook e do Twitter. O motivo de tal entusiasmo? Marcelo Freixo, candidato à prefeitura do Rio de Janeiro pelo PSOL.

Quem é Marcelo Freixo?

Marcelo Freixo, 45, é professor de história, conhecido por seu trabalho na área de direitos humanos. Filiado ao PT até 2005, Freixo seguiu o caminho de outros dissidentes e, em setembro daquele ano, passou a integrar o PSOL. Nas eleições municipais de 2006, foi eleito deputado estadual do Rio de Janeiro com 13.547 votos – o último na lista dos deputados eleitos. Mas foi o filme Tropa de Elite 2 que tornou Freixo nacionalmente conhecido: a CPI das Milícias, presidida por ele, serviu de base para a criação do roteiro do filme, cujo personagem Diogo Fraga foi inspirado em sua vida:

Com a popularidade em alta, Marcelo Freixo recebeu 177.253 votos nas eleições de 2010, tendo sido o segundo deputado estadual mais votado do Rio de Janeiro.

Para 2012, Freixo tem aspirações menos modestas: tornar-se prefeito do Rio de Janeiro.

Contando com o apoio de personalidades como Chico Buarque, Caetano Veloso, Wagner Moura, Luiz Eduardo Soares e Frei Betto, e tendo o fundador, ex-líder, baterista e principal letrista do grupo O Rappa, Marcelo Yuka, como vice, Freixo tem chances reais de levar a eleição carioca para o segundo turno, embora ainda esteja longe de ameaçar o candidato à reeleição Eduardo Paes (PMDB).

Na última pesquisa Datafolha, divulgada em 28/09, Eduardo Paes, candidato à reeleição, aparece com 53% das intenções de voto (ante 54% na pesquisa anterior). Freixo é o segundo colocado, com 13% (ante 10% na pesquisa anterior). Embora a distância entre os candidatos ainda seja grande, verifica-se certa tendência de crescimento das intenções de voto em Marcelo Freixo e queda nas intenções de voto em Eduardo Paes. Isso pode ser verificado principalmente entre os mais ricos e os mais escolarizados. Entre os eleitores com renda mensal acima de dez salários mínimos (8% do eleitorado), Paes e Freixo estão empatados com 40% das intenções de voto. Entre aqueles que tem ensino superior, Paes e Freixo tem 36% e 34%, respectivamente.

A queima da bandeira

Fosse de qualquer outro partido, Freixo contaria com os votos de grande parte da comunidade judaica carioca. Mas Freixo é do PSOL. E quando o assunto é Estado de Israel e o sionismo, referências fundamentais para a identidade judaica atual, certos posicionamentos adotados pelo partido e/ou filiados costumam causar preocupação.

Desde o dia 17/08, data de sua publicação no Youtube, um vídeo de 2009 retratando uma manifestação nas ruas do Rio de Janeiro em meio ao conflito entre palestinos e israelenses na Faixa de Gaza tornou-se assunto do debate eleitoral. Causou polêmica o fato de manifestantes queimarem uma bandeira do Estado de Israel. Entre eles, João Batista Oliveira de Araújo, o Babá, um dos fundadores do PSOL e atual candidato a vereador da cidade do Rio de Janeiro.

O que Marcelo Freixo teria a dizer a respeito? O candidato à prefeitura do Rio concordaria com tal atitude? Qual a posição oficial do PSOL em relação ao Estado de Israel?

Estas foram algumas das questões mais recorrentes nos fóruns da comunidade judaica nas últimas semanas, especialmente nos fóruns de esquerda, para quem Marcelo Freixo era o candidato a ser apoiado, e o assunto alastrou-se pelas redes sociais.

Num primeiro momento, surgiram inúmeras imagens sinalizando o apoio de Marcelo Freixo à candidatura de Babá:

Tais imagens, entretanto, não significavam muita coisa.

Num texto esclarecedor, Vitor Rawet, jovem judeu militante do PSOL, buscou apresentar o posicionamento do partido em relação ao Estado de Israel:

Não existe nenhuma decisão ou resolução partidária no PSOL que emite opinião sobre o conflito (ao contrário do PSTU, que acha que o estado de Israel é um enclave do imperialismo na região, e acha que este não deveria existir). O PSOL é uma partido com contradições, diferentes correntes e opiniões. O Babá faz parte da ala mais a esquerda e radical do partido. A imensa maioria não chegaria nem perto de queimar uma bandeira de Israel. O Marcelo Freixo já declarou que apóia a solução de dois povos e dois estados.

A resposta de Marcelo Freixo

No dia 25/08, Freixo foi participou de um debate na Associação Scholem Aleichem (ASA) com dezenas de  jovens da comunidade judaica.

Na ocasião, Freixo, que ainda não tinha conhecimento do vídeo, quando questionado sobre o assunto, afirmou:

É uma atitude imatura, é uma atitude agressiva a um país [incompreensível] não tem o direito de fazer [incompreensível] você não viveu, não é sua, então eu acho que essa é uma agressão inaceitável. Você está perdendo aliados em uma atitude como essa. [incompreensível]. Mas eu acho que o partido tem que amadurecer esse debate, eu acho que é um compromisso que a gente tem que trabalhar juntos, são muitos os garotos aqui que estão filiados ao PSOL hoje, e acho que a gente tem um dever de fazer um debate pedagógico dentro do PSOL para uma convenção da esquerda que amplie, que vá além do PSOL, que já vá para os movimentos sociais em todo o país, nos partidos sobre esse tema no Rio de Janeiro. Eu acho que aqui no Rio a gente tem um cenário que é mais favorável até do que em muitos outras cidades. Provavelmente aqui é onde mais se avançou nessa militância da juventude judaica num partido de esquerda. Então eu acho que aqui a gente tem que dar esse passo para servir de exemplo nacional.

O candidato a vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo PSOL Renato Cinco, também presente no evento, emendou:

Eu acho que o Marcelo já respondeu bem a questão. Eu só queria falar rapidamente o seguinte. Eu acho que o principal do Babá nessa história é passar a mensagem errada. Quando você queima a bandeira de Israel, você passa a mensagem de que a solução do conflito no Oriente Médio passa pela derrota de um dos lados, pela destruição de um dos lados. Eu acho que, ao contrário, o que a gente deve estimular enquanto esquerda brasileira, o nosso papel em solidariedade tanto ao povo de Israel como ao povo palestino, deve ser contribuir para o diálogo. Eu acho que a saída para os problemas do Oriente Médio só existe através do diálogo, e a gente deve mandar mensagens que contribuam para que os dois lados possam dialogar. Eu acho que esse é o papel que a gente deve cumprir.

As falas podem ser conferidas no vídeo abaixo:

Aos poucos, o assunto foi ultrapassando as fronteiras da comunidade judaica.

Em seu Twitter pessoal, Freixo respondeu a diversos questionamentos de internautas:

Com pouco tempo de televisão (o PSOL optou por não fazer coligações no primeiro turno das eleições), Freixo costuma convidar internautas para um bate-papo virtual logo após o horário eleitoral.

No dia 27/08, um internauta questionou:

“Boa noite, Freixo. Queria saber o que você tem a dizer sobre o vídeo do Babá”.

A resposta foi contundente:

Olha, eu tive um debate essa semana… obrigado pela pergunta, Bruno. Eu tive um debate essa semana lá no ASA, em Botafogo, organizado pela juventude judaica e tinham, aproximadamente, 170 jovens. E foi excelente o debate, nós fizemos um amplo debate sobre o Rio de Janeiro. E, nesse debate, esse assunto de um vídeo que eu nem conhecia, eu nem sabia… é um vídeo, enfim, que mostra um candidato a vereador do PSOL queimando uma bandeira de Israel – só para quem não sabe do que se trata o vídeo, eu estou aqui explicando –, mostra um candidato que é candidato, hoje, a vereador, que é, enfim, um excelente candidato, combativo, mas que teve uma atitude, que ele queima, em um ato em defesa do Estado da Palestina, ele queima a bandeira de Israel. Eu quero dizer o seguinte: eu sou amplamente favorável ao Estado Palestino, eu sou amplamente favorável à luta do povo palestino, mas isso não significa que eu seja contra a existência do Estado Judeu, o Estado de Israel, isso é um absurdo. Uma coisa não leva a outra. São dois povos, são dois estados. Eu acho que a queima de uma bandeira é algo que não deve se fazer, por mais que eu não concorde com as posições do governo de Israel que, aliás, diga-se de passagem, vários judeus também não concordam. Existe todo um pensamento crítico sobre as posições do governo de Israel em relação à Palestina e em relação a outros temas. Então, aqui no Rio de Janeiro, nós temos uma quantidade enorme de jovens que são judeus, que são organizados, que tem um trabalho social belíssimo, que eu conheci e passei a ser um profundo admirador, e que estão na campanha, tem uma posição de esquerda, querem um Rio de Janeiro muito mais justo, e que não concordam também com várias posições do governo de Israel. Eu quero que eles estejam juntos comigo. Então, a atitude de queimar a bandeira de um país, é uma atitude em que você afasta quem pode ser um aliado seu, porque não reconhece que, dentro desses países, também existe disputa. Enfim, eu tenho muito carinho pelo Babá, pelo nosso candidato, é uma pessoa que tem uma história de luta, mas essa atitude é uma atitude que eu não concordo, que eu tenho divergência, essa não é uma atitude partidária, é uma atitude dele. Cabe a ele repensar isso ou não, mas eu, particularmente, não concordo, não é a posição do meu partido, a minha posição está muito clara, e eu quero essa esquerda da juventude judaica e todas as pessoas que tem esse pensamento crítico construindo um Rio de Janeiro mais justo para todos.

A fala pode ser conferida no vídeo abaixo, aos 22:55

No Twitter, Freixo continuava a responder dúvidas dos eleitores, explicando seu posicionamento sobre o assunto:

A resposta de Babá

Os esclarecimentos de Freixo agradaram e a polêmica parecia aproximar-se do fim.

Foi quando Babá entrou na discussão, publicando um texto e um vídeo em seu blog, onde qualifica a queima de bandeiras como “um ato simbólico” e acusa o debate como fruto de uma “campanha difamatória desencadeada pela direita sionista contra o PSOL”.

O que Babá não sabia, porém, é que era justamente nos fóruns da esquerda judaica, para quem a candidatura de Marcelo Freixo representa a melhor alternativa para a cidade do Rio de Janeiro, em que a conversa se desenrolava.

O vídeo-resposta de Babá pode ser conferido abaixo:

O posicionamento do PSOL

Entre as opiniões de Marcelo Freixo e as de Babá, qual seria o posicionamento oficial do PSOL em relação às políticas e à natureza do Estado de Israel?

O programa do PSOL e a resolução sobre conjuntura internacional publicada pelo partido trazem, cada uma, uma única referência a Israel.

De acordo com o programa do PSOL:

São tempos de agressão militar indiscriminada do imperialismo. Os EUA se destacam como país agressor, que agora chefia a ocupação do Iraque, intervém na Colômbia, no Haiti, promove tentativas de golpes na Venezuela e apóia o terrorismo de Estado, de Israel contra os palestinos. A retomada do internacionalismo é objetivo do novo partido. Para além do nosso continente, temos que empenhar todo o esforço no apoio ao movimento anti-globalização, com seus fóruns sociais e suas mobilizações de massas iniciadas a partir de Seattle.

Já a resolução sobre conjuntura internacional do partido afirma:

Ao mesmo tempo, cabe ressaltar que Israel segue cumprindo o papel de centro articulador dos interesses imperialistas no Oriente Médio. Em troca, segue recebendo o apoio dos EUA e da União Europeia à ocupação da Palestina. São comprovadas as denúncias feitas por inspeção coordenada pelo ex-presidente dos EUA, Jimmy Carter, quanto à existência do único arsenal militar nuclear na região, localizado naquele país. Esta denúncia se reforçou recentemente, com o artigo de capa da insuspeita Der Spiegel, mais importante revista alemã, quanto ao fato de Alemanha vira fornecendo submarinos com possibilidade de portar e disparar armamento nuclear. Mesmo assim, os avanços na unidade das forças de resistência palestinas têm feito avançar sua causa de libertação, conquistando o reconhecimento do Estado Palestino na Unesco e de diversos países membros das Nações Unidas.

Não fica claro se há e quais são as posições oficiais do partido em relação a pontos-chave do conflito entre Israel e os palestinos. Entretanto, nota-se uma certa visão preguiçosa e maniqueísta do problema. Os atores envolvidos são considerados poderes opostos e incompatíveis, e com isso, o “bem” e o “mau” são concebidos em termos absolutos e dão margem a concepções plenas de opressor x oprimido.

A pobreza da leitura está não apenas na percepção dualista do conflito (como se este tivesse apenas dois lados), mas, principalmente, na homogeneização de sociedades plurais e diversas.

Considerações finais

Em meio aos acontecimentos das últimas semanas, alguns pontos parecem absolutamente claros:

Em primeiro lugar, pode-se afirmar que o vídeo em que Babá aparece queimando um bandeira de Israel, de 2009, foi recuperado em 17 de agosto de 2012 por interesses eleitorais.

Entretanto, diferentemente do que afirma Babá, a preocupação da comunidade judaica carioca com os acontecimentos nada tem a ver com uma “campanha difamatória desencadeada pela direita sionista contra o PSOL”. A discussão é legítima e ocorreu principalmente nos fóruns da esquerda judaica, para quem a candidatura de Marcelo Freixo representa a melhor alternativa para a cidade do Rio de Janeiro.

Pode-se afirmar ainda que Marcelo Freixo é contra a ação de Babá, como manifestou publicamente inúmeras vezes.

Já em relação ao PSOL, a impressão que fica é a de que o partido está dividido internamente e não há consenso  sobre posicionamentos em relação a pontos-chave do conflito entre Israel e os palestinos.

Para concluir, resta dizer que aprofundar o debate sobre o Estado de Israel e o conflito com os palestinos no PSOL, em outros partidos da esquerda brasileira e nos próprios movimentos sociais do país é uma necessidade urgente. Sem dúvida, tal debate poderá contar com todo o apoio da comunidade judaica.

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Agradecimentos

O post não teria sido possível sem a valiosa contribuição dos colegas virtuais do grupo Tarbut – Cultura, que compartilharam textos, vídeos e informações nos últimos dias:

Andre Rozenbaum, Arnon Segal Hochman, Beni Gelhorn, Dafne Rozencwaig Souza, Daniel Dahis, Daniel Rousseau Berger, Eduardo Kives, Eduardo Rawet, Erick Abenbahen, Fabio Aboulafia, Felipe Abramovitch, Felipe Marcel, Eduardo Tolmasquim, Fernanda Lahtermaher, Filipe Pechsicott Carvalho Lopes, Guilherme Engelender, Gustavo Guerchon, Gustavo Oren, Guta Tolmasquim, Leonardo Bueno, Michel Ehrlich, Miguel Zugman, Moises Zugman, Paulo Koatz Miragaya, Rafael Barbalat, Rafael Stern, Rony Szuster, Thales Abram, Vitinho e Vitor Rawet.

 

Ensaio fotográfico

Ensaio fotográfico produzido em 2009, durante viagem de um mês a Israel.

Machané Yehuda, Jerusalém.

 

Machané Yehuda, Jerusalém.

 

Chassid do Rebe Nachman de Breslav, em Jerusalém.

 

Bairro ortodoxo de Mea Shearim, Jerusalém.

 

Bairro ortodoxo de Mea Shearim, Jerusalém.

 

Nascer do sol na Cidade Velha de Jerusalém.

 

Muro das Lamentações, Jerusalém.

 

Muro das Lamentações, Jerusalém.

 

Muro das Lamentações, Jerusalém.

 

Muro das Lamentações, Jerusalém.

 

Muro das Lamentações, Jerusalém.