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Uri Politis cursa Ciências Atuariais na Universidade de São Paulo e possui o perfil com a descrição mais curta do site Fórum 18.

Posts recentes no blog escrito por Uri Politis

Bo, Caetano. Bo, Gil.

Caetano Veloso e Gilberto Gil anunciam show em Tel Aviv no dia 28 de julho, como parte da turnê internacional da dupla. O movimento BDS (Boicote, Desenvolvimento e Sanções contra Israel) se mobiliza em torno do pedido para que a dupla cancele a apresentação. Apesar das assessorias dos cantores garantirem que o show será mantido, a pressão pelo cancelamento continua, e a campanha recebe o apoio de personalidades como o ex-integrante do Pink Floyd, Roger Waters.

O BDS e o apartheid

O BDS importou o diagnóstico “apartheid” e a solução “boicote” da Africa do Sul. O cerne da questão e as discussões ficam em torno do diagnóstico – se Israel possui ou não um regime de apartheid – deixando de lado o debate sobre a solução – o boicote e os reais objetivos do movimento BDS. Concordo que é necessário dizer que o BDS erra no diagnóstico, pois Israel não possui um regime de apartheid e sua realidade é distinta da Africa do Sul do passado. Porém, o erro maior está na solução, que diferente do boicote a Africa do Sul – em que visava apenas a queda do regime do apartheid, sem colocar em risco a existência do país – o boicote proposto pelo BDS pode levar ao fim do Estado de Israel. Ou seja: a solução do BDS não objetiva apenas terminar com o suposto regime do apartheid, mas também a inexistência do Estado de Israel. Portanto, ainda que o BDS acertasse no diagnóstico, a solução proposta teria efeitos colaterais perversos ao Estado de Israel, seria extremamente danosa.

Afinal, qual o objetivo do BDS?

Nesse texto me atentarei em torno da solução “boicote” e não do diagnóstico “apartheid”. Digo isso, porque mesmo se o diagnóstico estivesse correto, isto é, houvesse apartheid em Israel, manteria as minhas críticas ao BDS. Por que? A resposta está na solução proposta – no objetivo do movimento BDS, no que dizem e no que se omitem. Pode ser lido abaixo, na íntegra, ou no vídeo do Norman Finkelstein.

O movimento BDS elenca 3 pontos para que o boicote cesse.

1. Acabar com a ocupação e colonização de todas as terras árabes ocupadas em junho de 1967 e desmantelar o Muro;
2. Reconhecer os direitos fundamentais dos cidadãos árabes-palestinos de Israel em plena igualdade;
3. Respeitar, proteger e promover os direitos dos refugiados palestinos a voltar para suas casas e propriedades, tal como estipulado na resolução 194 da ONU.

Somando os 3 pontos, chego a conclusão que o BDS não é um movimento “contra a ocupação israelense na Cisjordânia”, e sim “contra a existência do Estado de Israel.” Explico abaixo:

Os itens 1., 2. e 3. devem ser analisados juntos. O que se peticiona nesses itens é o direito de retorno dos refugiados palestinos, e que se conceda a eles direitos fundamentais. Logo, o Estado de Israel passaria a ter maioria árabe, permaneceria com o seu caráter democrático, porém o caráter judaico estaria em risco. Resultado: O Estado de Israel perderia sua identidade e deixaria de ser um Estado Judeu.

O objetivo do BDS se torna mais claro se a leitura dos 3 pontos é feita de forma contrária. Primeiro – a volta dos refugiados palestinos; segundo – conceder direito fundamentais aos árabes-israelenses; a soma dos dois primeiros pontos, resulta no terceiro – acabar com a ocupação e colonização de todas as terras árabes.

Agrava-se a isso, o fato do BDS se utilizar do Direito Internacional para endossar sua crítica a ocupação militar israelense na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, ao mesmo tempo em que se omite a aceitar o Estado de Israel, legitimado pelo mesmo Direito Internacional, nas fronteiras de antes de junho de 1967. Ou seja: para o BDS, o Direito Internacional se mostra válido para definir a ocupação militar israelense, mas não para definir as fronteiras legais do Estado de Israel.

Colocado os 3 pontos junto a omissão ao reconhecimento do Estado de Israel nas fronteiras pré-1967, não me resta dúvidas que os objetivos do BDS levariam ao fim do Estado de Israel, aqui cabe a principal crítica. E digo mais, mesmo se houvesse apartheid, o que o BDS propõe como solução não é aceitável. Pois, não se propõe que o suposto regime de apartheid cesse por meio de uma reformulação de sua política perante aos seus cidadãos. O que se propõe é a extinção do país, o desaparecimento de sua identidade e existência.

BDS antissemita ou antissionista?

Muitos se referem ao BDS como um movimento antissemita, o que provoca um debate, será que o BDS é antissemita, ou será que é antissionista? A questão da termologia sempre incomoda a muitos, acredito que o debate esteja no entendimento e significado do que é antissemitismo. Porém não entrarei nesse debate, optarei por expor apenas o quão repugnante é ser antissionista.

Hoje vemos o cuidado que muitos possuem para distinguir o antissionismo do antissemitismo. Mas há outra distinção, na minha percepção, menos abordada, entre o antijudaísmo e o antissemitismo. A distinção se dá no entendimento do judeu como “religião” ou “raça”. Enquanto no antijudaísmo se persegue o indivíduo pela prática religiosa do judaísmo ou por pertencer a religião judaica, no antissemitismo se persegue o indivíduo por ele pertencer a “raça” judaica.

Seguindo essa linha de racíocinio, o antissionismo atual me parece próximo com o antijudaísmo do passado. Pois o antissionismo não persegue todos os judeus. Tal como o antijudaísmo que “concedia a oportunidade” do judeu se converter ao catolicismo para que assim deixasse de ser perseguido; de forma similar, os antissionistas não perseguem aqueles que se converterem a sua ideologia: ao antissionismo. Pois, tanto o antijudaísmo quanto o antissionismo perseguem crenças e ideologias, onde há a possibilidade de escolha em pertencer ou não; ao passo que o antissemitismo persegue uma “raça”, onde não há a possibilidade de escolha em pertencer ou não.

Na minha percepção, o antissemitismo e o antijudaísmo se tratam da mesma perseguição e ódio em tempos e cenários diferentes. Enquanto a Europa tinha grande influência católica, era fácil justificar e alimentar o ódio aos judeus, pois pertenciam a outra religião. Porém, quando a Europa deixa de ter influência religiosa, o antijudaísmo precisa ser reinventado, surge a teoria das raças, e a perseguição aos judeus é justificada e alimentada por ser da raça judaica. Sai de cena o antijudaísmo para dar espaço ao antissemitismo.

Porém, assim como as justificativas religiosas, a teoria das raças, com o  passar do tempo, perde sua força e influência, e o antissemitsimo precisa, novamente, ser reinventado. Agora não os perseguem por pertencerem a religião judaica ou a raça judaica; os perseguem por pertencerem a nacionalidade judaica, por serem sionistas.

Seja o BDS antissemita ou antissionista, condeno igualmente. Antissionismo é tão repugnante quanto o antissemitismo e o antijudaísmo.

Sobre o título 

Por fim, explico o trocadilho forçado e sem graça que é o título desse texto. Em hebraico a palavra Bo (בוא) é utilizada para chamar alguém, traduzindo ao português: venha. Enquanto o BDS clama: Boicote! Caetano e Gil. Digo: Bo, Caetano. Bo, Gil. Venha, Caetano. Venha, Gil.

Eyal Cohen e Aviv Geffen: entre política, religião e música

Brasil condena Israel: a matemática da morte

Na última quarta-feira o governo brasileiro se pronunciou, classificando a violência em Gaza como inaceitável, e convocando o Embaixador do Brasil em Tel Aviv a Brasília para consultas.

O Governo brasileiro não é o único a condenar as atitudes de Israel. Várias manifestações, em diferentes países, veem sendo realizadas contra Israel, muitas delas desembocando em atos antissemitas. Nas redes sociais, não é diferente: nos deparamos com inúmeras postagens que reduzem a complexidade do conflito, transformando-o entre uma luta do bem contra o mal. Nestes discursos polarizados, de ambos os lados, o maniqueísmo utilizado nem sequer é debatido, e a ênfase fica apenas na discussão de quem é o mocinho e quem é o bandido.

A matemática da morte

Analisando-se a nota do Itamaraty, a pergunta que fica é: o que leva Israel ser considerado o grande vilão, apesar das provocações do Hamas?

A resposta parece estar na alegada desporpocionalidade do ataque israelense. De fato, os números revelam que há muito mais vítimas fatais do lado palestino. Formar um posicionamento torna-se, então, simples: um placar de vítimas aponta Israel como o principal agressor; portanto, condenamos Israel e nos solidarizamos com Gaza.

Utilizar as mortes como mero dado estatístico, transformando-as em um placar, é um desrespeito a todas as vítimas, vivas e mortas, dos dois lados desse conflito. A impressão que fica é que pelo fato de um dos lados ter “matado mais”, isenta-se o outro, que “matou menos”. Logo, nesse caso, as mortes de israelenses perdem importância.  Porém, o fato de haver mais mortes de palestinos do que de israelenses não deve ser utilizado para eximir a culpa do Hamas, as práticas terroristas e a utilização de civis como escudos humanos. Mais correto seria condenar os responsáveis por práticas ilegais e crimes contra a humanidade em ambos os lados.

Tomar apenas o número de mortos para definir a gravidade de uma agressão traz ainda o risco de tornar o conflito israelo-palestino irrelevante. Isso porque o número total de mortos neste conflito é ínfimo se comparado a outros conflitos do Oriente Médio e até do Brasil. Seguindo a matemática da morte, chegaríamos não só à conclusão de que o Israel é o agressor no caso do conflito israelo-palestino, mas também àquela que afirma que o conflito é menos relevante do que outros pela inferioridade do número de mortos.  O que angustia, contudo, é o fato de que os mesmos que destacam o conflito israelo-palestino entre todos os demais, de forma contraditória, utilizam os números de mortos para definir o agressor e o oprimido. Ou seja: para estes, o número de mortos se mostra válido para definir o agressor, mas não para medir a relevância do conflito.

A desumanização do soldado

Outro fator que preocupa é a desumanização dos soldados israelenses. No cálculo de mortes, a baixa de um soldado parece ser irrelevante ou ter um valor inferiror quando comparado à de um civil. Concordo com a distinção entre soldados e civis, uma vez que soldados possuem treinamento para lidar com situações de conflito – tanto para se defender como para atacar -, ao passo que civis são totalmente despreparados e desprovidos de quaisquer artefatos, seja para se defender ou para atacar. A farda de um soldado, contudo, não o faz menos humano que um civil, e, portanto, sua morte também deve ser lamentada. Soldados israelenses foram colocados em linha de fogo em uma ação militar do governo cujo objetivo é defender os civis do país, e não massacrar os civis palestinos. Concorde-se ou não com a ação, soldados não devem ser considerados vilões.

Israel e Hamas: Homicídio culposo x tentativa de homicídio

Obviamente, por mais que o alvo de Israel não sejam os civis palestinos, erros acontecem. Israel bombardeia Gaza, o Hamas utiliza civis palestinos como escudos humanos, e o resultado é o que vemos nos noticiários: morte de civis palestinos.

Do outro lado, temos o Hamas lançando mísseis a Israel constantemente, cujo alvo são, neste caso, civis israelenses. Porém, abrigos e o sistema antimíssil de Israel (Iron Dome) contribuem para que os mísseis do Hamas não atinjam seus objetivos.

De forma atrevida, poderíamos traçar um paralelo com o direito penal: as ações de Israel contra os civis em Gaza seriam algo próximo do homicídio culposo, isto é, sem dolo, sem intenção de matar. No caso do lançamento de mísseis do Hamas contra Israel, comete-se algo próximo à tentativa de homicídio, em que há a intenção de matar, mas se é incapaz de executar.

Apenas a título de curiosidade, segundo o Código Penal Brasileiro, a pena para homicídio culposo é de 1 a 3 anos de detenção, enquanto a pena para tentativa de homicídio é de 2 a 13 anos e 4 meses de reclusão.

Considerações finais

Não escrevo com a audácia de dizer a verdade sobre o conflito para provar quem é mocinho e o bandido. Escrevo com o objetivo de apresentar uma reflexão de que esse conflito não deve ser simplificado. Discursos polarizados e condenações a apenas um lado, tal como fez o Itamaray, não ajudam no entendimento das questões que estão em jogo. É importante nos solidarizarmos com as mortes de ambos os lados e criticarmos os responsáveis de ambos os lados, deixando o maniqueísmo de lado e procurando entender melhor o que está ocorrendo.

ADL Global 100 Index: Mais de um quarto da população mundial possui crenças antissemitas

A Liga Antidifamação (ADL) divulgou, no dia 13 de maio, os resultados de uma pesquisa mundial sobre crenças antissemitas. O ADL Global 100 apresenta uma pesquisa em que 53.100 adultos em 102 países foram questionados sobre 11 esteriótipos antissemitas, no esforço de estabelecer pela primeira vez uma ampla pesquisa baseada em dados do nível e intensidade do sentimento anti-judaico em todo o mundo.

Abraham H. Foxman, diretor nacional da ADL, considera que a pesquisa expressa, pela primeira vez, uma noção real de como o antissemitismo generalizado e persistente está presente no mundo. Ainda segundo Abraham H. Foxman, “os dados nos permitem olhar além de incidentes e retóricas antissemitas e quantificar a prevalência de atitudes antissemitas em todo o mundo. Podemos agora identificar os focos, bem como os países e regiões do mundo onde o ódio aos judeus é essencialmente inexistente.”

A ADL contratou as empresas de pesquisa First International Resources e Anzalone Liszt Grove Research para realizar a pesquisa de atitudes em relação aos judeus. Os dados foram recolhidos a partir de entrevistas realizadas entre julho de 2013 e fevereiro 2014, em 96 idiomas e dialetos por meio de questionários feitos por telefones fixos, celulares e pessoalmente.  A margem de erro para a maioria dos países, onde foram selecionados 500 entrevistados, é de +/- 4,4 por cento. Em vários países maiores, onde foram realizadas 1.000 entrevistas, a margem de erro é de +/- 3,2 por cento.

Para cálculo do índice de anti-semitismo, foi considerado o número de pessoas, em porcentagem, que responderam como “verdadeiro” a 6 ou mais questões entre 11 questões caracterizadas por esteriótipos negativos sobre judeus. O índice representa o número de pessoas com crenças antissemitas. Abaixo, listadas as 11 questões:

  • Judeus são mais leais a Israel do que ao país onde vivem?
  • Judeus possuem muito poder no mundo dos negócios?
  • Judeus possuem muito poder no mercado financeiro internacional?
  • Judeus falam demasiadamente sobre o que aconteceu com eles no Holocausto?
  • Judeus não se importam com o que acontece com qualquer pessoa, exceto com os seu próprio povo?
  • Judeus possuem muito controle sobre assuntos internacionais?
  • Judeus possuem muito controle sobre o governo norte-americano?
  • Judeus pensam que são melhores do que as outras pessoas?
  • Judeus possuem muito controle sobre a mídia internacional?
  • Judeus são os responsáveis pela maior parte das guerras pelo mundo?
  • Pessoas odeiam os judeus por causa da maneira como os judeus se comportam?

O índice classifica os países e territórios do menos antissemita (Laos, em 0,2 por cento) ao mais antissemita (Cisjordânia e Faixa de Gaza, em 93 por cento), vale ressaltar que a pesquisa do índice não entra no mérito, de forma direta, sobre questões em relação ao sionismo e ao Estado de Israel.

A pesquisa constatou que as crenças antissemitas estão presentes no mundo. Mais de um em cada quatro adultos, 26 por cento dos entrevistados, cerca de 1.09 bilhão de pessoas, estão profundamente infectados com opiniões antissemitas. No Brasil, o número de adultos que possuem crenças antissemitas foi de 16 por cento, cerca de 22 milhões de pessoas.

A maior concentração de entrevistados com crenças antissemitas foi encontrada no Oriente Médio e países do Norte Africano (“MENA”), onde quase três quartos dos entrevistados, 74 por cento, concordaram com a maioria dos estereótipos antissemitas. Sendo, o Irã, o país da região do MENA com o menor índice de antissemitismo, com 56 por cento.  Os países fora da região do MENA têm um valor de índice médio de 23 por cento.

Todavia, de acordo com a ADL, há também algumas observações positivas e animadoras. Na maioria dos países de língua inglesa, a percentagem de pessoas com crenças antissemitas é de 13 por cento, muito inferior à média geral. Países de maioria protestante têm as mais baixas avaliações de crenças antissemitas, em comparação com qualquer outro país de maioria religiosa. E 28 por cento de todos os entrevistados não acreditam que qualquer um dos 11 estereótipos antissemitas avaliados seja “verdadeiro”.

A respeito do tema Holocausto, a pesquisa aponta que apenas 54 por cento de todos os entrevistados já ouviram falar do Holocausto, e que duas em cada três pessoas entrevistadas ou nunca ouviram falar do Holocausto ou não acreditam que os relatos históricos sejam exatos. Entre os entrevistados brasileiros, 79 por cento já ouviram falar do Holocausto, e 61 por cento ou nunca ouviram falar do Holocausto ou não acreditam que os relatos históricos sejam exatos.

Quanto ao tema Israel e Oriente Médio, de todos os entrevistados, 35 por cento possuem uma opinião favorável a Israel e 36 por cento possuem uma opinião favorável a Palestina. Entre os entrevistados brasileiros, 57 por cento possuem uma opinião favorável a Israel e 43 por cento possuem uma opinião favorável a Palestina. Em tempos que discute-se sobre a existência de uma relação entre antissemitismo e antissionismo, penso que poderiam ter feito mais perguntas sobre Israel e sionismo, ou até ir mais além e criar também um índice de antissionismo. Seria interessante comparar os índices de antissionismo com antissemitismo.

Sabemos que o antissemitismo é um fenômeno quase inexplicável, e a pesquisa da ADL está aí para provar. Por exemplo, por que nos EUA, as opiniões antissemitas são indiferentes ao gênero, isto é, homens e mulheres possuem o mesmo índice, mas na Nova Zelândia, os homens possuem um índice bem maior do que as mulheres? Por que o Panamá ultrapassa em muito todos os outros países das Américas, com um índice de 52 por cento? Por que há um índice tão baixo nas Filipinas, apenas 3 por cento? Por que a Malásia, um pais em que a presença judaica chega a ser quase nula, possui um alto índice de 61 por cento? Seria possível identificar as causas do grau de antissemitismo dos países?

Bem, os resultados existem para serem interpretados, porém é necessário ter bastante cautela para não cometermos equívocos. Há um livro, no mínimo interessante, cujo nome é Freakonomics, que aponta o problema em teorias que são muitas vezes validadas por correlações que não significam necessariamente causa e efeito. É preciso analisar bem a situação para encontrar a relação correta de casualidade, a fim de não cometer o erro da lenda do czar que foi informado de que a província com maior incidência de doenças era também a que contava com mais médicos. Sua solução? Mandou imediatamente fuzilar todos os médicos. A pesquisa da ADL pode nos mostrar fortes correlações entre algumas nações e religiões com o antissemitismo, porém antes de apontarmos uma relação de causa e efeito, devemos nos lembrar que o antissemitismo, definitivamente, não é um fenômeno tão fácil de ser explicado.

Em tempo, este artigo foi elaborado antes dos trágicos acontecimentos em Bruxelas e Paris. Ao ler sobre o assassinato no Museu Judaico de Bruxelas, logo fui checar o índice de antissemitismo da Bélgica, cujo valor é 27 por cento. O da França é 37 por cento. Será que é possível quantificar o antissemitismo? Ranquear os países? Será que um índice bem abaixo que a média mundial, como os 16 por cento do Brasil, traduza que o antissemitismo não é preocupante no tal país? Creio que não, o índice da ADL serve para comparar e analisar os países, porém, não é possível concluir se o Brasil é muito ou pouco antissemita, se países com índices acima dos 26 por cento serão, necessariamente, mencionados em notícias, ao redor do mundo, como local de atos antissemitas, e países com índices bem abaixo dos 26 por cento estarão livres desse mal. A pesquisa traz uma única certeza: o antissemitismo ainda está presente e precisa ser combatido.

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Mais informações sobre o ADL Global 100, inclusive comparações país por país, estão disponíveis on-line em http://global100.adl.org/

A Liga Antidifamação, fundada em 1913, é a organização líder mundial de combate ao antissemitismo por meio de programas e serviços que neutralizam o ódio, o preconceito e a intolerância.

Nelson Mandela e os judeus

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Nelson Mandela e líderes da comunidade judaica.

No dia 5 de dezembro, faleceu, aos 95 anos de idade, o líder sul africano Nelson Mandela. Maior símbolo de combate ao apartheid, Mandela, se tornou um grande ídolo, amado por toda a África do Sul, inclusive pela comunidade judaica local.

Alguns judeus desempenharam um papel significativo na vida de Mandela e na luta contra o regime de segregação racial que vigorou no país de 1948 a 1994. O primeiro deles foi o advogado Lazar Sidelsky, que, em 1942, contratou o jovem Mandela como assistente jurídico. Em sua autobiografia, “Longa Caminhada para a Liberdade“, Mandela fez o seguinte relato sobre o escritório de Lazar Sidelsky:

Era uma firma judaica, e na minha experiência eu descobri que judeus têm mentes mais abertas do que a maioria dos brancos nos temas de raça e de política, talvez devido ao fato de eles próprios terem sido historicamente vítimas de preconceito.

Durante os anos em que a África do Sul esteve sob o regime de apartheid, muitos judeus assumiram papéis de liderança no Partido Comunista (PC) e figuraram entre os poucos sul africanos brancos que tratavam seus companheiros negros com dignidade e igualdade. Como consequência, muitos pagaram um alto preço, com o ostracismo social, prisão e exílio. Dentre eles estava Albie Sachs, que, em 1994, foi nomeado por Mandela juiz do Tribunal Constitucional da África do Sul; Joe Slovo, que posteriormente tornou-se ministro da habitação no gabinete do presidente Mandela; e Gill Marcus, que se tornou vice-ministra das Finanças no gabinete de Mandela, e fez história em novembro de 2009 ao se tornar a primeira mulher a ocupar o cargo de Presidenta do Banco Central da África do Sul (South African Reserve Bank).

No famoso Julgamento por Traição, que se iniciou em 1956 e terminou apenas em 1961, com todos os acusados inocentados, um número expressivo de judeus ativos na luta contra o racismo estiveram presentes como réus e como advogados de defesa. Anos mais tarde, em 1964, no Julgamento de Rivonia, em que dez líderes do Congresso Nacional Africano (CNA) foram julgados por sua oposição ao regime – entre eles, Nelson Mandela, que recebeu a pena de prisão perpétua – um fato curioso: todos os cinco réus brancos daquele Tribunal eram judeus.

Outra personalidade de destaque com quem Mandela cultivou amizade foi Helen Suzman. Ativista na luta contra o apartheid, durante 13 anos (de 1961 a 1974) protagonizou um papel importante no Parlamento: a de ser a única deputada a se opor abertamente às práticas racistas na África do Sul. Ela visitou Mandela inúmeras vezes na prisão e esteve ao lado dele em 1996, ao assinar a nova Constituição.

Nelson Mandela ao lado de Helen Suzman, em 1990.

Nelson Mandela ao lado de Helen Suzman, em 1990.

A lista de judeus que atuaram próximos a Mandela e companheiros em sua luta é extensa. Embora não seja possível mencionar todos neste artigo, não podemos deixar de citar o Rabino Cyril Harris, Rabino-Chefe da África do Sul durante o período de 1987 a 2004, que desenvolveu um trabalho social relevante para a comunidade negra, criticou diretamente o sistema de segregação racial e buscou o diálogo com líderes do Partido Nacional  com o objetivo de flexibilizar o regime de apartheid.

Rabino Cyril Harris

Rabino Cyril Harris

Mandela e o Rabino Harris desenvolveram uma amizade afetuosa. Na posse de Mandela como presidente, em maio de 1994, o Rabino Harris fez um discurso comovente.  Frequentemente, Mandela se referia a ele como “meu rabino”. Em 1998, Mandela o convidou para dar uma bênção em hebraico no seu casamento com a moçambicana Graça Machel. O casamento estava marcado para 18 de julho, dia do octogésimo aniversário de Mandela, mas como era Shabat, o Rabino Harris explicou a Mandela que não poderia participar da cerimônia. Mandela fazia questão da benção do Rabino e, como solução, o Rabino Harris abençoou o novo casal na sexta-feira, antes do início do dia sabático. O Rabino Harris faleceu em 2005. No dia de seu enterro, em Jerusalém, o Embaixador sul africano esteve presente e discursou calorosamente sobre o “nosso rabino”.

A relação de Mandela com o Estado de Israel e a comunidade judaica também teve seus momentos difíceis. Durante a época do apartheid, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) havia construído uma relação estreita com o Congresso Nacional Africano (CNA), sendo que, durante alguns anos, ajudou a capacitar os membros de sua ala militar. A proximidade entre Mandela, Yasser Arafat e a OLP, que na época se recusava a reconhecer o direito de existência de Israel, rendeu críticas ao líder sul africano por parte da comunidade judaica local. Entretanto, Mandela simpatizava com Israel e com as aspirações do povo judeu de viver em paz com seus vizinhos árabes.

Mandela visitou Israel e a Cisjordânia pela primeira vez somente em outubro de 1999, época em que já não era presidente. Líderes da comunidade judaica sul africana o acompanharam e, ao reencontrar o Rabino Harris na Terra Santa, Mandela afirmou: “Agora me sinto em casa – meu rabino está aqui.”

Como presidente da nova África do Sul, Nelson Mandela realizou um ótimo trabalho. De forma notável, manteve o país unido em um momento tenso, que poderia ter culminado em uma guerra civil envolvendo diversas facções. Em grande medida, isso se deve à sua generosidade, carisma extraordinário e habilidade política para lidar com os diversos grupos que compunham a sociedade sul africana. Por esse legado, Mandela será um líder eternamente lembrado.

Yom Hashoá: um dia para relembrarmos o passado e olharmos para o futuro

Há uma anedota que consiste num diálogo entre um turista passeando por Israel e um judeu israelense.

O turista pergunta ao judeu israelense:

- Por que você veio para este país?

O judeu israelense responde: 

- Vim para cá para esquecer.

A resposta provoca curiosidade, e o turista volta a perguntar:

- Esquecer o quê?

E o judeu responde:

- Eu esqueci.

No calendário judaico, o dia 27 de Nissan é conhecido como Yom Hashoá, o Dia da Lembrança do Holocausto. Neste ano de 2013, pelo calendário gregoriano, recordamos as vítimas do Holocausto na noite de 7 de abril e durante todo o dia 8.

Lembro-me de minha primeira visita ao Yad Vashem, o Museu do Holocausto, em Israel, com apenas treze anos de idade. Naquela ocasião, tive o privilégio de ser acompanhado por um guia atencioso e paciente. Após passar cerca de quatro horas observando fotografias, vídeos e vários objetos assombradores e aterrorizantes que compunham o seu acervo, enfim deparei-me com uma imagem bonita. Essa  imagem, que observava ao final do percurso, não era nenhum objeto, quadro ou fotografia. Era ao vivo e a cores: a bela paisagem da cidade de Jerusalém.

Vista para a cidade de Jerusalém, Museu Yad Vashem

Ao mesmo tempo que observava aquela bela paisagem, após um dia exaustivo, o guia fazia o seu último comentário, em forma de pergunta: “Por que há essa linda paisagem de Jerusalém localizada exatamente no final do museu? Seria uma forma de nos vingarmos do Holocausto? Uma maneira de dizer ao mundo que hoje temos um Estado Judeu e eis aqui a nossa vingança?”. O guia continuou, dizendo: “Hoje estamos vivos, progredimos, temos o Estado de Israel, porém, isso não deve ser interpretado como vingança”.

Três anos após a minha primeira visita ao Yad Vashem, participei da Marcha da Vida, uma viagem de duas semanas que pode ser dividida em duas etapas: na primeira, na Polônia, conhecemos a vida judaica antes do Holocausto, as sinagogas, os Shtetls, e o drama dos judeus durante os anos de 1940, com visitas aos campos de concentração e  de extermínio; na segunda etapa, em Israel, entramos em contato com as maravilhas de um país com menos de setenta anos de criação. Ao final da viagem, fica bastante claro o contraste entre esses dois momentos da história judaica no século 20, isto é, o conceito de Meshoá L’tkumá - da destruição ao renascimento.

Recordo-me que logo no início da Marcha da Vida, o guia ordenou nosso grupo a não caminhar de cabeça baixa. Ao longo de toda a viagem, devíamos andar sempre com a cabeça erguida, principalmente ao visitarmos os campos de concentração e de extermínio. Andar cabisbaixo não nos era permitido.

Recordo-me ainda que durante a visita a Majdanek, o guia nos ofereceu garrafas de Coca-Cola. Em meus pensamentos, aquilo parecia absurdo. Não concebia a ideia de me refrescar com um refrigerante num local que havia abrigado um campo de concentração. É verdade que estávamos em julho, em pleno verão polonês, e o clima era, de fato, quente. Porém, a visita a Majdanek transformava o clima quente em frio. Além disso, um simples gole de Coca-Cola parecia um ato de desrespeito às vítimas do Holocausto. Minha revolta durou poucos segundos. Compreendi imediatamente quando o guia explicou seus motivos: antes de beber o refrigerante, deveríamos pronunciar, em voz alta, a Brachá de Shehacol, benção que, de acordo com a lei judaica, deve ser feita antes da ingestão de qualquer bebida, como forma de reconhecimento a D’us. O guia enfatizou, em sua explicação, que durante o Holocausto, em Majdanek, um judeu sequer, em nenhuma hipótese, poderia pronunciar a Brachá de Shehacol em voz alta e saciar sua sede. Hoje, porém, nós podemos. Portanto, beber o refrigerante não era um ato de desrespeito, mas uma maneira de perceber a mudança entre o presente e o passado recente.

Confesso que mesmo concordando com o guia, não foi uma tarefa fácil andar de cabeça erguida durante toda a viagem. Havia momentos em que os sentimentos eram tão fortes que abaixar a cabeça e se deixar abater era quase inevitável. De modo similar, também não foi fácil beber aquela garrafa de Coca-Cola em Majdanek, mesmo sabendo que faço parte de uma geração privilegiada, que tenho de viver o presente, e não o passado. De alguma forma, a visita a Majdanek  transportou-me ao passado, e o passado parecia tão real que, em certos momentos, esquecia-me do presente, sentia-me preso ao passado, sentia que não podia andar de cabeça erguida ou beber um refrigerante. Frequentemente, era necessário que o guia me alertasse: “levante a cabeça”.
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Já se passaram pouco mais de cinco anos desde minha viagem. Hoje, percebo que durante as duas semanas da Marcha da Vida aprendi bastante, não apenas em conhecimento, mas também em modos de agir e se comportar. Um dos ensinamentos que assimilei foi o de deixarmos o passado em seu devido lugar, não permitindo que ele se transforme no presente, muito menos no futuro. Para viver o presente e pensar no futuro, temos que nos desapegar do passado.
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É a partir desse ensinamento que interpreto a paisagem da cidade de Jerusalém ao final do Yad Vashem, que concordo com o dever de andar de cabeça erguida durante a Marcha da Vida, que concebo a ideia de beber um refrigerante em Majdanek e que entendo o motivo da viagem terminar com uma semana em Israel.
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Porém, ao viver o presente e pensar no futuro, devemos tomar cuidado para não cometermos o erro da anedota, isto é, “esquecermos o que esquecemos”. Embora não devamos ficar presos ao passado, não podemos esquecê-lo por completo. Devemos esquecer apenas ao ponto de não nos tornarmos reféns, para que possamos viver o presente e agirmos por um futuro diferente. Por fim, devemos lembrar e relembrar para não esquecermos.
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Hoje, ao lembrar os horrores do passado, podemos encontrar consolo em saber que há um progresso em curso, erguendo nossas cabeças e agindo no esforço de transformar “L’olam lo od”, Never Again”, “Nunca Mais”  em muito mais do que mero slogan.
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Maioria dos judeus israelenses não é a favor do apartheid

No último dia 23/10, o portal Opera Mundi publicou um artigo assinado pela jornalista Susana Mendonza a respeito de uma pesquisa feita em Israel que supostamente apontava a maioria dos judeus israelenses como a favor de um apartheid na Palestina. A manchete afirmava: “Maioria dos judeus em Israel é a favor de apartheid na Palestina”:

Notícia publicada no site Opera Mundi.

A notícia citava como fonte o jornal israelense Haaretz. Ao checar, pude constatar que, de fato, tais informações constavam em um texto assinado por Gideon Levy, sob o título “Most Israelis support an apartheid regime in Israel”.

Notícia publicada no jornal israelense Haaretz. A manchete afirma: "Maioria dos israelenses apoia um regime de apartheid em Israel".

Twitter do Haaretz traz a chamada para a notícia em seu site em inglês.

Um leitor atento, porém, logo percebia determinados equívocos em relação à interpretação dos resultados apresentados: não havia nenhuma base nos dados colhidos que indicasse que a maioria dos judeus israelenses apoiasse um apartheid.

Como era de se esperar, dias depois, o próprio jornal Haaretz publicou um artigo em que Yehuda Ben Meir, especialista em pesquisas de opinião, analisava os resultados e concluía: é equivocado afirmar que a maioria dos judeus em Israel seja a favor do apartheid.

Artigo de Yehuda Ben Meir publicado no Haaretz.

Gideon Levy reconheceu o erro e se desculpou publicamente, nas páginas do mesmo jornal:

Pedido de desculpas feito por Gideon Levy após ter interpretado erroneamente o resultado da pesquisa.

Segundo o jornalista israelense,

Este artigo serve para corrigir alguns erros. Eles não deveriam ter acontecido; devemos reconhecê-los, pedir desculpas por eles e corrigí-los. Eles não foram feitos intencionalmente, mas como resultado de negligência devido à pressão do tempo. Agora é o tempo para esclarecer as coisas.

A manchete do artigo original foi, então, modificada. Em vez de “Most Israelis support an apartheid regime in Israel”, passou a ser “Most Israeli Jews wouldn’t give Palestinians vote if West Bank was annexed”:

A manchete do artigo foi modificada.

Uma nota introdutória explica as razões da mudança:

ESCLARECIMENTO: O título original deste artigo, ‘A maioria dos israelenses apoia um regime de apartheid em Israel’, não reflete precisamente os resultados da pesquisa. A questão para a qual a maioria dos entrevistados responderam negativamente não se relaciona com a situação atual, mas a uma situação hipotética no futuro: ‘Se Israel anexasse os territórios na Judeia e Samaria, deveria ser dado aos 2,5 milhões de palestinos o direito de voto para o Knesset?’

Em resumo, a pesquisa não evidencia que a maioria dos judeus israelenses seja a favor do apartheid. Interpretada da maneira correta, a pesquisa afirma apenas que em uma situação hipotética de anexação dos territórios de Judeia e Samaria a maioria dos israelenses é contra a extensão do direito de voto aos palestinos. Porém, a mesma pesquisa indica que a maioria dos israelenses é contrária a tal anexação; logo, não se pode inferir que a maioria dos judeus israelenses seja a favor do apartheid na Palestina.

Agradecimentos

O presente artigo teve a colaboração do colega Daniel Douek com informações e ideias para sua elaboração.

Olimpíadas de Munique

No fim do século XX, o esporte serviu de meio de aproximação entre a China e os EUA. Na época do presidente Nixon, as relações entre os dois países começaram a “esquentar” através dos jogos de pingue pongue. Mas nem sempre as olimpíadas serviram para promover a paz. Um dos piores exemplos foram as Olimpíadas de Munique.

Em 1970, havia um grande número de palestinos morando na Jordânia. O Rei Hussein logo foi percebendo que estava se criando um estado palestino dentro de seu próprio território.

Assim, em setembro de 1970, as forças militares do Rei Hussein começaram a eliminar parte da guerrilha palestina. Depois disso aconteceram vários conflitos sucessivos chegando ao total de dez mil mortos. Esse episódio ficou conhecido como Setembro Negro. Dois anos após esses acontecimentos começavam as “Olimpíadas de Munique” na mesma Alemanha que havia sediado as Olimpíadas de Berlim em 1936, nas quais Hitler tivera como objetivo mostrar a superioridade da raça ariana. Nas Olimpíadas de Munique, a Alemanha tinha a chance de mostrar a todos que havia deixado de ser uma ameaça ao mundo e que estava livre do estigma do racismo.

Mas nem tudo ocorreu como esperado. A OLP (Organização para Libertação Palestina) enviou uma carta para a COI (Comitê Olímpico Internacional) solicitando que a Palestina participasse dos Jogos Olímpicos de Munique. Não houve nenhuma resposta, o que foi suficiente para o grupo Setembro Negro (relacionado ao Fatah – grupo político do Yasser Arafat – cujo nome remete ao episódio do massacre jordaniano sobre os palestinos, em setembro de 1970) se dispor, como vingança, a acabar com as Olimpíadas de Munique.

A operação terrorista começa no dia 5 de setembro as 4:30h da manhã. Oito terroristas entram na Vila Olímpica, situada na Connolly Strasse 31, escalam o muro disfarçados de atletas com uma sacola esportiva carregada de rifles.  Apesar de serem vistos por alguns seguranças, nada aconteceu, pois era normal atletas chegarem de madrugada quando os portões já estavam fechados.

Eles entram no prédio das delegações do Uruguai, Hong-Kong e Israel. Poucos minutos depois, chegam ao primeiro apartamento israelense. Um dos terroristas bate na porta e grita em alemão: “É esta a equipe israelense?”. Moshe Weinberg de 33 anos, treinador da equipe de luta israelense, assustado, abre uma fresta da porta, percebe o perigo que estava correndo e grita em Hebraico para seus colegas de quarto “Rapazes, saiam!” enquanto fica na frente da porta impedindo que os terroristas entrem. Ele é baleado.

Os atletas que estão no apartamento acordam com o barulho e tentam fugir; Joseph Romano tenta reagir e é baleado. Os terroristas capturam nove reféns e os levam amarrados para o terceiro andar, junto com o corpo de Romano para servir de exemplo do que poderia acontecer com eles caso tentassem reagir.

Os terroristas exigem a libertação de 200 prisioneiros palestinos presos em território israelense. Se o pedido não fosse atendido até às nove horas, todos os reféns seriam mortos. Dizem pertencer ao grupo terrorista Setembro Negro.

Avery Brundage, o mesmo que no passado vislumbrou o poder nazista, era o presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional) e estava diante da pior crise que os Jogos Olímpicos haviam enfrentado. Quando soube do sequestro, suspendeu os jogos por 24 horas. Porém, os jogos que já estavam em andamento não foram interrompidos.

Enquanto isso, em Israel, a primeira-ministra Golda Meir decidiu que não iria ceder às exigências dos terroristas. Ela afirmou: “Se cedermos, nenhum israelense, em nenhum lugar do mundo, poderá sentir-se seguro”. O chanceler alemão ocidental chegou a Munique para tentar resolver o problema. Golda Meir enviou Zvi Zamir, chefe do serviço secreto de Israel (Mossad), para Munique como seu representante, que chegou acompanhado de um agente do Shin Bet (serviço de segurança interno israelense), mas sua ajuda não foi bem vinda pelas autoridades alemãs, e aos dois não restou nada mais do que ficar parados e assistir aos erros cometidos pelos alemães.

O mundo acompanhava pela primeira vez a verdade sobre os ataques terroristas. O seqüestro estava sendo televisionado ao vivo, e com isso os terroristas palestinos conseguiram uma grande publicidade que pretendiam usar para conseguir a Independência de um futuro Estado Palestino.

A Alemanha precisava resolver esse problema o mais rápido possível, e então os alemães decidiram agir: preparam uma emboscada aos terroristas.

Os terroristas haviam exigido um avião que os levaria junto com os reféns até alguma capital árabe. Os negociadores alemães diziam que Israel havia cedido os 200 prisioneiros, e que as autoridades da Alemanha Ocidental iriam providenciar três helicópteros que os levassem até a base aérea de Fürstenfeldbruck, e logo depois tomariam um avião até o destino que escolhessem.

Enquanto as negociações eram feitas pela Alemanha Ocidental, a polícia alemã estava planejando um resgate. Foram posicionados mais de 500 policiais ao longo do trajeto até Fürstenfeldbruck. Esse aeroporto serviria apenas para a operação do resgate. Em Fürstenfeldbruck haveria cinco francos-atiradores, três posicionados no alto da torre de controle e outros dois escondidos na pista de vôo. Mas havia um detalhe: eles não estavam equipados com rádios para se comunicar.

Um ônibus saiu da Connolly Strasse e leva os terroristas até os helicópteros. Havia um helicóptero para as autoridades alemãs e Zvi Zamir, e outros dois para os terroristas e reféns. Às 22:30hs o primeiro helicóptero pousou. Zvi Zamir e as autoridades alemãs foram para a torre de controle. Após cinco minutos, chegam os helicópteros dos terroristas e reféns. Dois terroristas armados vão em direção ao avião da Lufhtansa. Ao perceberem que o avião não estava preparado para o embarque, caminham de volta para os helicópteros. Os francos-atiradores disparam em direção aos terroristas, porém atingem apenas um deles. Os tiros continuam e acertam mais um terrorista. Outros dois terroristas percebem que é uma emboscada e jogam uma granada nos reféns que estavam dentro do helicóptero. O tiroteio teve seis minutos de duração, com um saldo de nove reféns assassinados, cinco terroristas mortos, um policial gravemente ferido e três terroristas presos.

Na mesma noite, um policial alemão disse aos jornalistas que os terroristas haviam sido mortos e os reféns salvos. Jornais e noticiários dos quatro cantos do mundo anunciaram o resgate dos reféns. O mundo suspirava aliviado. Em Israel, pessoas dormiram tranquilas, pensando que a delegação israelense estava a salvo.

Até que, quatro horas depois, aparece a policia alemã para “corrigir” a informação. O jornalista Jim McKay, pronunciou ao mundo a tragédia: “They’re all gone”.

Todos os reféns foram assassinados!

A operação havia sido um desastre. Além de deixar os atiradores incomunicáveis, eles não possuíam coletes à prova de balas. Deveria haver 16 policiais posicionados dentro do avião com permissão para atirar nos dois terroristas que fossem revistar o local antes do embarque. Só que minutos antes dos helicópteros chegarem, os policiais constataram que não estavam preparados, e nem sequer avisaram ao comandante que estavam abandonando a operação.

No dia seguinte, o COI (Comitê Olímpico Internacional) decidiu reiniciar os jogos; as bandeiras dos países participantes foram estiadas pela metade, em sinal de luto. Também foi realizada uma cerimônia em memória dos atletas, mas nada conseguiu apagar a trágica história dos Jogos Olímpicos de Munique.

Três meses após o atentado, no dia 29 de Outubro de 1972, um grupo terrorista seqüestrou um avião da Lufthansa, exigindo a libertação dos três membros do grupo Setembro Negro que haviam sido presos. O governo alemão libertou os terroristas, sem ao menos consultar o governo israelense.

A primeira-ministra de Israel, Golda Meir, ordenou que o Mossad começasse uma ação contra o terrorismo. Nos anos seguintes, o Mossad executou 12 terroristas ligados ao massacre de Munique.

O prédio onde o Massacre de Munique aconteceu está quase inalterado hoje.

 

Texto publicado originalmente na Revista Chai Or Israel nº 19.

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