Tag Arquivos: home

Norman Finkelstein e o BDS

Em uma interessante entrevista, Norman Finkelstein surpreende com seus comentários sobre o Movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções contra Israel (BDS). Apesar de discordar de sua visão sobre Israel e o conflito no Oriente Médio, o vídeo, com legendas em portugês, traz uma nova visão sobre o BDS.

Parte 1

Parte 2

Dia surreal

Acordei aquele dia me sentindo vazia.

Eu estava em piloto automático. Vesti minhas roupas, um jeans e camiseta, e peguei o papel onde tinha anotado o endereço. Tomei meu café, como sempre, e fui para o ponto de ônibus. Não me lembro nada sobre o trajeto, a não ser ter mudado de ônibus umas três vezes.

Quando cheguei na base militar, olhei para dentro dos portões e pensei em como estava tentando falar com alguém lá dentro há três meses, desde a chegada da carta. Tudo o que me diziam era que eu não tinha com quem falar antes de me alistar.

Vamos rebobinar um pouco, uns dois anos antes deste dia.

Assim que cheguei em Israel, para estudar na Hebrew University, em Jerusalém, tive que ir à um escritório militar e pegar uma autorização para me inscrever no exército, como nasci em Israel era a única menina no programa preparatório para estrangeiros que precisava ir lá.

No escritório militar, um menino, mais ou menos da minha idade, de farda, depois de ouvir a minha história, e o fato de que eu queria ir para a universidade e não para o exército, me disse que eu tinha que assinar alguns papéis e pronto.

Os documentos estavam em hebraico, obviamente, e eu que havia retomado a minha leitura da língua recentemente, ainda tinha muita dificuldade em entender hebraico formal, por isso pedi a ele que me lesse o documento.

Ele me disse que a única coisa que estava escrita no documento era que eu podia voltar depois da minha formatura e renegociar meu status.

Fiquei tão aliviada, eu poderia estudar em paz e quando a hora chegasse eu seria mais velha, e estaria melhor preparada para lidar com o exército, eu tinha 19 anos na época, e era assustador falar com eles, mesmo quando o eles com quem falei era alguém que tinha 19 anos também.

De volta ao dia surreal:

Entrei na base militar, tinha um monte de gente com roupa civil também, foi aí que eu entendi que eu não era a única que tinha hora marcada aquele dia.

Eles eram um pouco mais novos que eu, completaria 21 naquele ano e eles tinham entre 17 e 18 anos. Estavam tão felizes.

Entrei num grande salão onde tínhamos que encontrar nossos nomes em uma lista. Quando encontrei, um garoto de farda me entregou aquelas placas que soldados tem com seus nomes, para que sejam identificados caso eles explodam.

Nesse momento minha pressão caiu e comecei a tremer um pouco, então fui beber água, mas o soldado atrás de mim me disse que eu tinha que seguir em frente e que na próxima sala eu poderia beber.

O que eu estava fazendo ali? Tentei perguntar a alguns soldados e a única resposta que consegui foi: você tem que terminar o alistamento e aí vai poder falar com um comandante.

Continuei andando, e recebendo coisas e assinando que eu tinha recebido elas. Coisas tipo meias, e botas, e um kit de costura, e finalmente me perguntaram meu tamanho, me deram uma farda e me disseram para entrar no vestiário e trocar de roupa.

Fiquei chocada! Entrei no vestiário – esta provavelmente foi a cena mais surreal do dia.

Quando entrei vi que era um espaço único, todas as meninas estavam se trocando e vestindo aquelas fardas, varias tiravam fotos umas das outras sorrindo.

Me troquei o mais rápido que consegui, mal tive coragem de olhar no espelho, quem era aquela menina?

Quando sai do outro lado, carregando a sacola cheia, que era comum ver soldados carregando, me encontrei no que parecia um refeitório de kibutz.

Era hora do almoço, mas eu não conseguia comer, peguei uma maça e saí pra fumar um cigarro.

Foi ai que perguntei para uma outra menina: Você está no programa “Atudai” também?

Ela disse que não. Eu não entendi.

Uns três meses antes:

Recebi uma ligação da minha tia, me dizendo que uma carta do exército chegou para mim, e me perguntando se eu queria que ela abrisse a carta. Como eu ia passar o fim de semana com ela, e não achei que fosse importante, pedi a ela que deixasse para eu abrir.

Quando li a carta no final de semana, fiquei muito confusa, dizia que eu teria que me alistar em três meses, e que eu fazia parte do Programa Atudai para estudantes universitários. Eu estava terminando meu segundo semestre em química; estava amando e estudando muito para ter boas notas, o que eu conseguia fazer somente para metade das disciplinas obrigatórias já que eu era uma das únicas no curso de química que trabalhava.

Um monte de perguntas me vieram a mente:

Eu teria que largar a faculdade?

Onde eles estavam me alistando? Eu ainda não tinha acabado meus estudos: não era pra isso acontecer!

Foi nisso que me inscrevi há dois anos? Aquele filho da mãe!  Não foi isso que ele me disse.

Fui perguntar para minha tia para ter certeza que tinha entendido corretamente.

Ela me disse que tínhamos que falar com alguém para entendermos melhor. Ela começou uma série de telefonemas que levaram a lugar nenhum a não ser a este dia sem nenhuma informação de valor.

Depois do almoço me disseram para ir à uma reunião com meu comandante, eu estava ansiosa para começar a fazer perguntas.

Quando entrei na sala já havia umas dez pessoas lá. Era uma sala bem pequena.

A comandante entrou na sala e começou a explicar o Programa Adutai:

- Vocês virão fazer um mês de treinamento básico durante as suas férias da universidade,

Comecei a chorar, bem discretamente.

- Vocês trabalharão para o exército na sua área de formação,

- Vocês servirão o exército por três anos (um a mais do que normalmente meninas servem)

- Se vocês reprovarem em qualquer matéria o exército se reserva o direito de alistar vocês imediatamente.

Nessa hora eu já estava chorando descontroladamente.

A comandante acabou sua fala, disse a todos que podiam sair. Comecei a me preparar para levantar quando ela me pediu que ficasse mais um pouco.

Ela me trouxe um copo d’água e pediu para, quando eu estivesse pronta, contar porque eu estava chorando tanto.

Enquanto eu me acalmava, percebi que ela era mais nova que eu.

Comecei a contar sobre o cara que mentiu para mim e me fez assinar o documento, como eu tinha tentado, e falhado, em falar com alguém depois de receber a carta. Contei a ela sobre o trabalho, e como o curso de química era difícil.

E finalmente eu lhe disse que eu nunca mais na vida queria tocar numa arma. E conforme essas palavras saiam da minha boca, me dei conta que se eu trabalhasse com química no exército eu iria trabalhar com todo tipo de armas e comecei a chorar de novo.

Ela me olhou nos olhos e disse que iríamos encontrar um jeito, que ela entendia, e que haviam formas de sair desta situação. Ela me disse que eu poderia encontrar um psiquiatra, para que escreva uma carta dizendo que eu era inapta para servir, ou eu poderia escrever uma carta ao exército dizendo que eu era contra tocar em armas, mas neste caso eu provavelmente iria para a cadeia, e ela disse que me ajudaria com a burocracia para arrumar isso rapidamente.

Eu estava tão grata a essa menina; foi a primeira vez no dia que me senti sã. Como é possível esses jovens pensarem que isso é normal?

Brothers

Quando o Estado de Israel foi criado, Ben Gurion permitiu ao pequeno grupo de estudantes de Yeshivá, cerca de 400, que não servissem ao Exército. Tal episódio ficou conhecido como “Torato Omanut”, ou “A Torá é a sua arte” – foi concedido ao grupo o direito de se dedicar exclusivamente ao estudo da Torá. A partir de 1977, o Likud sobe ao poder e o número de estudantes de yeshivot que não vão ao exército só cresce.

Esse direito permaneceu até 2002, quando se criou a chamada “Lei Tal”, oficializando a dispensa da prestação do serviço militar aos que dedicam tempo integral ao estudo da Torá. A lei tinha 5 anos de duração, mas acabou por ser postergada por mais 5 anos e no início de agosto venceu. Não houve mais prorrogação pois foi dada como inconstitucional pela Knesset.

Esse é ponto central no filme “Brothers”, do diretor israelense Igaal Niddam. Todas as discussões do filme se baseiam nos ortodoxos servirem ou não no exército.

No filme, dois irmãos judeus separados há muito tempo se reencontram. Para surpresa de ambos, um deles é um chalutz do kibutz, trabalha no campo, ajudou a construir a terra e é  contrário ideologicamente aos ortodoxos; o outro irmão é ultra-ortodoxo e cumpridor das leis da Torá.

O filme gira em torno das discussões entre eles e da discussão do tribunal. O irmão ortodoxo é advogado e vai até Israel para ajudar na causa de uma Yeshivá que é obrigada a mandar os estudantes ao exército contra sua vontade.

Debates muitos interessantes são realizados no tribunal e na casa do irmão. Eles não se agüentam e não entendem como podem pensar tão diferente.

Não quero estragar o filme para quem não viu, apenas trazer alguns questionamentos que no filme aparecem. Será que por ser um estado judeu e democrático não se deve tratar todo cidadão da mesma maneira? Por que o tribunal rabínico deve decidir quem é judeu e quem não é? Para ir morar em Israel, segundo a Lei do Retorno, é necessário que haja um judeu no mínimo na terceira geração da sua família, entretanto para poder se casar é preciso ser filho de mãe judia. Será que isso é certo? É certo colocar apenas comida kasher para as pessoas do exército? É certo não ter ônibus no shabat? Até quando o estado tem que ser democrático? Tem como o estado ser judeu e democrático?

São diversos questionamentos que podemos discutir. Você já pensou nisso?

Paródia israelense do Taglit

Todo ano, milhares de judeus norte-americanos, europeus e sul-americanos recebem viagens gratuitas para participar de um tour guiado por Israel durante durante semanas. Para muitos, essa é a chance de conhecer locais históricos como Masada, praticar hebraico e ir a festas com soldados israelenses.

Israeli parody of Taglit-Birthright Propaganda Trips from Eretz Nehederet on Vimeo.

Homenagem a Moshe Silman

Moshe Silman se imolou porque estava endividado e não tinha onde morar. Após ter um AVC e não ter mais condições de trabalhar, não recebia o mínimo do seguro social para pagar suas contas. Tentou entrar na justiça, tentou recorrer, mas acabou perdendo sua casa devido às dívidas. No sábado, durante as manifestações de um ano do protesto social, ele se imolou e o primeiro ministro Bibi emitiu um comunicado oficial, no qual se mostra triste com a tragédia pessoal de Silman.

Nessa placa lê-se em hebraico: “Bibi vc é a nossa tragédia pessoal”.

No jornal israelense estão sendo comparadas as tragédias pessoais de todos com dificuldade de viver por causa das políticas públicas do governo Likud.

Palestina e Israel: CRER pra VER

Dennis Ross

Neste mês de Junho que passou, ocorreu a 4ª Conferência Presidencial de Israel. Seu tema, todos os anos, é o “amanhã”. Este ano, os painéis contaram com a presença de figuras renomadas da política e da academia do Oriente Médio, Estados Unidos e Europa. Dentre os dois maiores campos discutidos, política e economia, os temas se voltaram fortemente para a questão do euro e a sobrevivência da União Européia, a Primavera Árabe e Manifestação de Um Milhão em Israel e, claro, sobre o relacionamento entre árabes e judeus e como avançar nas negociações de paz entre israelenses e palestinos. Tratemos neste espaço sobre este último tema.

Dennis Ross foi um dos palestrantes mais esperados – com razão. Americano e autor de um dos livros fundamentais sobre a questão Israel/Palestina – “The Missing Peace” – Ross serviu como coordenador especial a respeito do Oriente Médio durante o governo Clinton. Ele trouxe à tona algo desconfortável de se escutar: a verdade.

Expondo o que todos esperavam, falou sobre as negociações de paz entre o governo israelense e os partidos palestinos. E sua frase de impacto resumiu tudo que podemos perceber atualmente: “Há uma descrença dos dois lados. Uma coisa é falar sobre falta de vontade. Outra, é sobre falta de credibilidade. Quem não acredita, não avança”

Em Israel e com o enorme prazer de estar presente nesta reunião de grandes mentes de países árabes e de Israel, pessoas de culturas, histórias, religiões, profissões diversas, é exatamente isso que se percebe. Não há quem acredite na paz. Ok, não há quem realmente acredite que se possa chegar a este ponto. E, para isso, Dennis Ross também traz a resposta: antes de mais nada, é necessário recuperar a crença das pessoas, palestinos e israelenses!

Como todo bom analista, ele não veio somente para dizer o problema. Indicou “passos” possíveis e necessários para que os dois povos andem para frente, como seguem (Ross literalmente enumerou):

  • Israel precisa recuar em relação aos assentamentos. E não, isso não é fácil como parece para a mídia internacional. Há seres humanos, cidadãos vivendo lá. O governo deve ter um bom planejamento de reembolso e reposição de moradias, considerando resultados desastrosos da retirada unilateral de Gaza.
  • O governo israelense pode, ainda, auxiliar em incentivos ao desenvolvimento econômico palestino – o que, em um contexto diplomático, seria benéfico para ambos os lados.
  • Os palestinos, por sua vez, devem começar a colocar Israel no mapa. Não há praticamente um livro didático palestino que  fale de Israel como um país soberano.
  • A morte de israelenses deve parar de ser comemorada por grupos palestinos – o que Ross chegou a chamar de antissemitismo.
  • Assim como os israelenses aceitam o direito religioso dos palestinos de frequentarem seus locais sagrados, a Palestina tem que aceitar que os judeus também possuem direito religioso em relação a Jerusalém.

Um conflito tão longo, que dura mais de cem anos, não pode ser travado por um único ator. Dois lutam, dois participam. Se fosse uma história fácil, de mocinho e bandido, o vilão já teria sido detido como ocorreu diversas vezes no mundo. E para quem tem dúvidas, a paz é algo necessário aos dois envolvidos. Não é um favor que um faz para o outro – é uma questão de interesse mútuo.

Entretanto, decisões não partem apenas de cima pra baixo. É preciso, como afirma Dennis Ross, que o povo – palestinos e israelenses – volte a crer que a paz é possível. Para isso, existem projetos, pessoas à frente de organizações e com muito boa vontade, como será exibido no próximo artigo referente ao que foi falado sobre a convivência entre os cidadãos de diferentes origens em Israel.

Texto publicado originalmente no blog Middle East Talks … vamos bater um papo sobre o Oriente Médio?

Este e outros textos da autora podem ser conferidos em http://orientemediohoje.com