Arquivo | Sem categoria Feed RSS para esta seção

Processo de Paz: é tempo para uma política de não-violência

Era um Kabalat-Shabat inusitado. Éramos mais de cem pessoas no deserto, ao lado do Mar Morto, num treinamento de nove dias em Comunicação Não-Violenta. O rabino de barba e cabelos longos tocava violão e junto com sua esposa cantava lindas canções que todos acompanhavam dançando – judeus, palestinos, israelenses, da Cisjordânia, de Gaza, e internacionais de mais de dez países. Vindo de uma família secular, pela primeira vez desde meu Bar-Mitzvá no Kotel senti identificação com um ritual judaico que fazia sentido para mim.

Ao centro da grande sala, decorada em estilo mediterrâneo com lindos tecidos estampados nas paredes e repleta de almofadas sobre os vários tapetes que cobriam o chão, havia uma mesa baixa enfeitada com velas e flores, ao redor da qual todos dançávamos. Nossa anfitriã, musicista e dançarina, tocava um grande tambor pendurado em seus ombros, enquanto se movia. Alguns dos palestinos vieram dançar comigo por alguns instantes e não pude deixar de lembrar das histórias que ouvi sobre o período anterior aos movimentos nacionais, quando judeus e árabes na Palestina participavam das festividades e tradições uns dos outros. Neste dia, palestinos participaram da celebração judaica, e outros judeus também meditavam junto aos muçulmanos enquanto estes faziam suas orações, como se guardando seu espaço ou compartilhando deste momento espiritual.

O local que hospedou o evento foi fundado por israelenses e palestinos que decidiram criar um espaço alternativo com uma proposta radical, transcendendo os entendimentos políticos convencionais. Fica na área C da Cisjordânia, entre Jericó e o mar morto e é acessível tanto a judeus quanto a palestinos, e por isso foi escolhido.

Das atividades participaram ex-soldados israelenses, ex-combatentes palestinos, colonos judeus, e cidadãos de Gaza. Todos haviam sofrido perdas terríveis e todos tinham esperanças de encontrar alguma saída. Eu estava ali como membro da equipe de 10 instrutores, vindos dos EUA, Inglaterra, Israel e dos territórios palestinos ocupados. Os princípio da não-violência de Gandhi e Martin Luther King ganhavam forma prática em cada atividade, graças a Marshall Rosenberg, psicólogo judeu americano que desenvolveu uma abordagem chamada Comunicação Não-Violenta (CNV). Rosenberg se inspirou em Paulo Freire para fundar seu instituto nos EUA, que vem divulgando a CNV.

Entre as atividades desenvolvidas se destacavam exercícios de escuta profunda, empatia e mudança de referencial de compreensão. Palestinos puderam ouvir e compreender pela primeira vez o medo tão profundamente impregnado nos judeus desde sua infância, mesmo quando já distantes de um perigo real imediato. De um palestino ouvi que o trauma do Holocausto deve ser instransponível. Judeus puderam ouvir pela primeira vez como palestinos foram forçosamente expulsos de suas terras e as duras condições em que vivem, sem acesso a necessidades básicas, discriminação e humilhação diária baixo a ocupação militar. De uma colona judia ouvi que nenhum ser humano deveria ser sujeitado a tais condições, não importa o contexto político ou histórico. A verdade que se revelou foi a humanidade compartilhada, comum a todos, por trás dos rótulos e generalizações, preconceitos e medos, que infelizmente servem de base para os processo políticos de mobilização de massas.

Talvez seja tempo de haver uma política da não-violência que permita a todos enxergar uns nos outros a sua humanidade comum, respeitando e celebrando a diversidade sem medo, e confiando que é possível encontrar estratégias criativas para suprir as necessidades de todos.

Entender o outro é possível

Não é de hoje que os jovens interessados pelos conflitos no Oriente Médio gostam de discutir a problemática árabe-israelense. De ultra sionistas a marxistas, dos direitistas aos esquerdistas, dançarinos e militantes de movimentos juvenis, todos querem dar seu pitaco no assunto. As questões geralmente giram em torno de dilemas como a legitimidade da criação de um Estado Palestino, autodefesa israelense e, principalmente, o suposto ataque midiático a Israel. A par dessa realidade está a organização B’nai B’rith, que nos dia 4 de setembro de 2011 ofereceu a jovens de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre uma oportunidade única de discutir esses assuntos. Sem enrolação. Sem frescura. Sem nenhum contexto cor-de-rosa.

O seminário Narrativas em Jogo, realizado em São Paulo, contou com a participação de mais de 30 jovens dispostos a escutar especialistas no assunto e pessoas diretamente envolvidas no tema. Como afirmou Abraham Goldstein, presidente da B’nai B’rith Brasil, nós só poderemos entender e ajudar Israel a ser um país melhor se analisarmos seus erros e acertos de maneira crítica.

Quando se fala de pessoas diretamente envolvidas no conflito, estamos acostumados a escutar o lado judeu: a ação frequente dos terroristas, os kassamim jogados dia após dia contra os civis, o medo de ter um filho sequestrado. Entretanto, poucas vezes se tem a oportunidade de escutar o outro lado. Não uma versão diferente dos mesmos fatos, mas fatos diferentes que, se colocados com tudo que já sabemos, constituem uma única história. Que precisa e quer ser contada. Assim, pela primeira vez em um seminário voltado a jovens judeus, dois refugiados palestinos deram seu relato de vida.

Huda e Walid em seminário na B’nai Brith, em São Paulo

Relatos

Walid Altamami e Huda Al Bandar vivem em Mogi das Cruzes (SP) há quatro anos, falam português, mas utilizaram a ajuda da tradução feita por Paulo Farah, professor da USP e palestrante do evento. Não por ser incompreensível o que diziam, mas por uma postura da equipe de organização do seminário que considerava interessante o casal poder se expressar livremente em sua língua. Huda conta que após a Guerra dos Seis Dias (1967), a família migrou para a Jordânia. Logo, veio a Guerra de Yom Kippur, em 1973, e tiveram que fugir para o Iraque. Entretanto, após a invasão americana ao país, em 2003, a família viu-se encurralada no meio de conflitos. Viveram mais quatro anos entre a fronteira da Jordânia com o Iraque até receberem apoio da ONU, que os enviou ao Brasil. Entretanto, Walid afirma que o processo de estabelecimento no país não foi nada fácil. “A ONU prometeu muitas coisas, mas não vi nada”.

Ele diz que não há relação direta dos refugiados com o governo brasileiro, e que até dois anos atrás não tinham documentos nem contato com a Polícia Federal. Além disso, não receberam qualquer suporte para aprender a língua ou conseguir emprego. Hoje, Walid sente-se vivendo em “um exílio dentro de um exílio”, pois o trabalho que arranjou é no Mato Grosso – longe da família. Mesmo assim, se diz contente com a recepção do povo brasileiro. “Onde eu moro não há divisões, temos liberdade de expressão e opinião”. Mas alfineta: “essa liberdade de expressão fizemos por nós mesmos, porque o governo não fez nada”.

Walid afirma que sua família, ao se ver obrigada a sair da região onde morava na Palestina, perdeu suas terras e propriedades. “Quando uma pessoa perde tudo que tem, também perde sua humanidade”, diz. Huda explica sua situação de maneira tragicômica. “Quando me perguntam de onde venho, digo: do Iraque, do Líbano, da Palestina”. O casal tem clara em sua concepção que o conflito não é religioso. Walid acredita que quem diz isso não sabe o que se passa nas fronteiras. “Somos todos humanos, somos todos um só”, declara, destacando que o maior problema é o extremismo. “Sei que dos dois lados há esse tipo de atitude. Rejeito qualquer tipo de extremismo”.

O casal critica as ações do governo de Israel e deixa explícito seu anseio por um dia poder viver na Palestina, que diz ser seu lugar de direito. “A Palestina é nosso país e não podemos esquecer isso. Sou refugiado porque minha avó é refugiada, minha mãe é refugiada e meus filhos são refugiados”, lamenta Huda. Eles acreditam que se os dois lados fizerem concessões será possível ter dois Estados.

Apesar das críticas, Walid deixa a mensagem de que há milhões de muçulmanos que gostam e respeitam todas as religiões, assim como ele é ciente de que muitos judeus respeitam os palestinos. “Por isso me propus a vir aqui hoje. Não faço distinção alguma entre judeus e palestinos”, assegura.

Se a construção da memória for mútua, o caminho para a compreensão e empatia se tornará um atalho para uma, quem sabe, sonhada coexistência.

Norman Finkelstein e o BDS

Em uma interessante entrevista, Norman Finkelstein surpreende com seus comentários sobre o Movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções contra Israel (BDS). Apesar de discordar de sua visão sobre Israel e o conflito no Oriente Médio, o vídeo, com legendas em portugês, traz uma nova visão sobre o BDS.

Parte 1

Parte 2

Olimpíadas de Munique

No fim do século XX, o esporte serviu de meio de aproximação entre a China e os EUA. Na época do presidente Nixon, as relações entre os dois países começaram a “esquentar” através dos jogos de pingue pongue. Mas nem sempre as olimpíadas serviram para promover a paz. Um dos piores exemplos foram as Olimpíadas de Munique.

Em 1970, havia um grande número de palestinos morando na Jordânia. O Rei Hussein logo foi percebendo que estava se criando um estado palestino dentro de seu próprio território.

Assim, em setembro de 1970, as forças militares do Rei Hussein começaram a eliminar parte da guerrilha palestina. Depois disso aconteceram vários conflitos sucessivos chegando ao total de dez mil mortos. Esse episódio ficou conhecido como Setembro Negro. Dois anos após esses acontecimentos começavam as “Olimpíadas de Munique” na mesma Alemanha que havia sediado as Olimpíadas de Berlim em 1936, nas quais Hitler tivera como objetivo mostrar a superioridade da raça ariana. Nas Olimpíadas de Munique, a Alemanha tinha a chance de mostrar a todos que havia deixado de ser uma ameaça ao mundo e que estava livre do estigma do racismo.

Mas nem tudo ocorreu como esperado. A OLP (Organização para Libertação Palestina) enviou uma carta para a COI (Comitê Olímpico Internacional) solicitando que a Palestina participasse dos Jogos Olímpicos de Munique. Não houve nenhuma resposta, o que foi suficiente para o grupo Setembro Negro (relacionado ao Fatah – grupo político do Yasser Arafat – cujo nome remete ao episódio do massacre jordaniano sobre os palestinos, em setembro de 1970) se dispor, como vingança, a acabar com as Olimpíadas de Munique.

A operação terrorista começa no dia 5 de setembro as 4:30h da manhã. Oito terroristas entram na Vila Olímpica, situada na Connolly Strasse 31, escalam o muro disfarçados de atletas com uma sacola esportiva carregada de rifles.  Apesar de serem vistos por alguns seguranças, nada aconteceu, pois era normal atletas chegarem de madrugada quando os portões já estavam fechados.

Eles entram no prédio das delegações do Uruguai, Hong-Kong e Israel. Poucos minutos depois, chegam ao primeiro apartamento israelense. Um dos terroristas bate na porta e grita em alemão: “É esta a equipe israelense?”. Moshe Weinberg de 33 anos, treinador da equipe de luta israelense, assustado, abre uma fresta da porta, percebe o perigo que estava correndo e grita em Hebraico para seus colegas de quarto “Rapazes, saiam!” enquanto fica na frente da porta impedindo que os terroristas entrem. Ele é baleado.

Os atletas que estão no apartamento acordam com o barulho e tentam fugir; Joseph Romano tenta reagir e é baleado. Os terroristas capturam nove reféns e os levam amarrados para o terceiro andar, junto com o corpo de Romano para servir de exemplo do que poderia acontecer com eles caso tentassem reagir.

Os terroristas exigem a libertação de 200 prisioneiros palestinos presos em território israelense. Se o pedido não fosse atendido até às nove horas, todos os reféns seriam mortos. Dizem pertencer ao grupo terrorista Setembro Negro.

Avery Brundage, o mesmo que no passado vislumbrou o poder nazista, era o presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional) e estava diante da pior crise que os Jogos Olímpicos haviam enfrentado. Quando soube do sequestro, suspendeu os jogos por 24 horas. Porém, os jogos que já estavam em andamento não foram interrompidos.

Enquanto isso, em Israel, a primeira-ministra Golda Meir decidiu que não iria ceder às exigências dos terroristas. Ela afirmou: “Se cedermos, nenhum israelense, em nenhum lugar do mundo, poderá sentir-se seguro”. O chanceler alemão ocidental chegou a Munique para tentar resolver o problema. Golda Meir enviou Zvi Zamir, chefe do serviço secreto de Israel (Mossad), para Munique como seu representante, que chegou acompanhado de um agente do Shin Bet (serviço de segurança interno israelense), mas sua ajuda não foi bem vinda pelas autoridades alemãs, e aos dois não restou nada mais do que ficar parados e assistir aos erros cometidos pelos alemães.

O mundo acompanhava pela primeira vez a verdade sobre os ataques terroristas. O seqüestro estava sendo televisionado ao vivo, e com isso os terroristas palestinos conseguiram uma grande publicidade que pretendiam usar para conseguir a Independência de um futuro Estado Palestino.

A Alemanha precisava resolver esse problema o mais rápido possível, e então os alemães decidiram agir: preparam uma emboscada aos terroristas.

Os terroristas haviam exigido um avião que os levaria junto com os reféns até alguma capital árabe. Os negociadores alemães diziam que Israel havia cedido os 200 prisioneiros, e que as autoridades da Alemanha Ocidental iriam providenciar três helicópteros que os levassem até a base aérea de Fürstenfeldbruck, e logo depois tomariam um avião até o destino que escolhessem.

Enquanto as negociações eram feitas pela Alemanha Ocidental, a polícia alemã estava planejando um resgate. Foram posicionados mais de 500 policiais ao longo do trajeto até Fürstenfeldbruck. Esse aeroporto serviria apenas para a operação do resgate. Em Fürstenfeldbruck haveria cinco francos-atiradores, três posicionados no alto da torre de controle e outros dois escondidos na pista de vôo. Mas havia um detalhe: eles não estavam equipados com rádios para se comunicar.

Um ônibus saiu da Connolly Strasse e leva os terroristas até os helicópteros. Havia um helicóptero para as autoridades alemãs e Zvi Zamir, e outros dois para os terroristas e reféns. Às 22:30hs o primeiro helicóptero pousou. Zvi Zamir e as autoridades alemãs foram para a torre de controle. Após cinco minutos, chegam os helicópteros dos terroristas e reféns. Dois terroristas armados vão em direção ao avião da Lufhtansa. Ao perceberem que o avião não estava preparado para o embarque, caminham de volta para os helicópteros. Os francos-atiradores disparam em direção aos terroristas, porém atingem apenas um deles. Os tiros continuam e acertam mais um terrorista. Outros dois terroristas percebem que é uma emboscada e jogam uma granada nos reféns que estavam dentro do helicóptero. O tiroteio teve seis minutos de duração, com um saldo de nove reféns assassinados, cinco terroristas mortos, um policial gravemente ferido e três terroristas presos.

Na mesma noite, um policial alemão disse aos jornalistas que os terroristas haviam sido mortos e os reféns salvos. Jornais e noticiários dos quatro cantos do mundo anunciaram o resgate dos reféns. O mundo suspirava aliviado. Em Israel, pessoas dormiram tranquilas, pensando que a delegação israelense estava a salvo.

Até que, quatro horas depois, aparece a policia alemã para “corrigir” a informação. O jornalista Jim McKay, pronunciou ao mundo a tragédia: “They’re all gone”.

Todos os reféns foram assassinados!

A operação havia sido um desastre. Além de deixar os atiradores incomunicáveis, eles não possuíam coletes à prova de balas. Deveria haver 16 policiais posicionados dentro do avião com permissão para atirar nos dois terroristas que fossem revistar o local antes do embarque. Só que minutos antes dos helicópteros chegarem, os policiais constataram que não estavam preparados, e nem sequer avisaram ao comandante que estavam abandonando a operação.

No dia seguinte, o COI (Comitê Olímpico Internacional) decidiu reiniciar os jogos; as bandeiras dos países participantes foram estiadas pela metade, em sinal de luto. Também foi realizada uma cerimônia em memória dos atletas, mas nada conseguiu apagar a trágica história dos Jogos Olímpicos de Munique.

Três meses após o atentado, no dia 29 de Outubro de 1972, um grupo terrorista seqüestrou um avião da Lufthansa, exigindo a libertação dos três membros do grupo Setembro Negro que haviam sido presos. O governo alemão libertou os terroristas, sem ao menos consultar o governo israelense.

A primeira-ministra de Israel, Golda Meir, ordenou que o Mossad começasse uma ação contra o terrorismo. Nos anos seguintes, o Mossad executou 12 terroristas ligados ao massacre de Munique.

O prédio onde o Massacre de Munique aconteceu está quase inalterado hoje.

 

Texto publicado originalmente na Revista Chai Or Israel nº 19.

Dia surreal

Acordei aquele dia me sentindo vazia.

Eu estava em piloto automático. Vesti minhas roupas, um jeans e camiseta, e peguei o papel onde tinha anotado o endereço. Tomei meu café, como sempre, e fui para o ponto de ônibus. Não me lembro nada sobre o trajeto, a não ser ter mudado de ônibus umas três vezes.

Quando cheguei na base militar, olhei para dentro dos portões e pensei em como estava tentando falar com alguém lá dentro há três meses, desde a chegada da carta. Tudo o que me diziam era que eu não tinha com quem falar antes de me alistar.

Vamos rebobinar um pouco, uns dois anos antes deste dia.

Assim que cheguei em Israel, para estudar na Hebrew University, em Jerusalém, tive que ir à um escritório militar e pegar uma autorização para me inscrever no exército, como nasci em Israel era a única menina no programa preparatório para estrangeiros que precisava ir lá.

No escritório militar, um menino, mais ou menos da minha idade, de farda, depois de ouvir a minha história, e o fato de que eu queria ir para a universidade e não para o exército, me disse que eu tinha que assinar alguns papéis e pronto.

Os documentos estavam em hebraico, obviamente, e eu que havia retomado a minha leitura da língua recentemente, ainda tinha muita dificuldade em entender hebraico formal, por isso pedi a ele que me lesse o documento.

Ele me disse que a única coisa que estava escrita no documento era que eu podia voltar depois da minha formatura e renegociar meu status.

Fiquei tão aliviada, eu poderia estudar em paz e quando a hora chegasse eu seria mais velha, e estaria melhor preparada para lidar com o exército, eu tinha 19 anos na época, e era assustador falar com eles, mesmo quando o eles com quem falei era alguém que tinha 19 anos também.

De volta ao dia surreal:

Entrei na base militar, tinha um monte de gente com roupa civil também, foi aí que eu entendi que eu não era a única que tinha hora marcada aquele dia.

Eles eram um pouco mais novos que eu, completaria 21 naquele ano e eles tinham entre 17 e 18 anos. Estavam tão felizes.

Entrei num grande salão onde tínhamos que encontrar nossos nomes em uma lista. Quando encontrei, um garoto de farda me entregou aquelas placas que soldados tem com seus nomes, para que sejam identificados caso eles explodam.

Nesse momento minha pressão caiu e comecei a tremer um pouco, então fui beber água, mas o soldado atrás de mim me disse que eu tinha que seguir em frente e que na próxima sala eu poderia beber.

O que eu estava fazendo ali? Tentei perguntar a alguns soldados e a única resposta que consegui foi: você tem que terminar o alistamento e aí vai poder falar com um comandante.

Continuei andando, e recebendo coisas e assinando que eu tinha recebido elas. Coisas tipo meias, e botas, e um kit de costura, e finalmente me perguntaram meu tamanho, me deram uma farda e me disseram para entrar no vestiário e trocar de roupa.

Fiquei chocada! Entrei no vestiário – esta provavelmente foi a cena mais surreal do dia.

Quando entrei vi que era um espaço único, todas as meninas estavam se trocando e vestindo aquelas fardas, varias tiravam fotos umas das outras sorrindo.

Me troquei o mais rápido que consegui, mal tive coragem de olhar no espelho, quem era aquela menina?

Quando sai do outro lado, carregando a sacola cheia, que era comum ver soldados carregando, me encontrei no que parecia um refeitório de kibutz.

Era hora do almoço, mas eu não conseguia comer, peguei uma maça e saí pra fumar um cigarro.

Foi ai que perguntei para uma outra menina: Você está no programa “Atudai” também?

Ela disse que não. Eu não entendi.

Uns três meses antes:

Recebi uma ligação da minha tia, me dizendo que uma carta do exército chegou para mim, e me perguntando se eu queria que ela abrisse a carta. Como eu ia passar o fim de semana com ela, e não achei que fosse importante, pedi a ela que deixasse para eu abrir.

Quando li a carta no final de semana, fiquei muito confusa, dizia que eu teria que me alistar em três meses, e que eu fazia parte do Programa Atudai para estudantes universitários. Eu estava terminando meu segundo semestre em química; estava amando e estudando muito para ter boas notas, o que eu conseguia fazer somente para metade das disciplinas obrigatórias já que eu era uma das únicas no curso de química que trabalhava.

Um monte de perguntas me vieram a mente:

Eu teria que largar a faculdade?

Onde eles estavam me alistando? Eu ainda não tinha acabado meus estudos: não era pra isso acontecer!

Foi nisso que me inscrevi há dois anos? Aquele filho da mãe!  Não foi isso que ele me disse.

Fui perguntar para minha tia para ter certeza que tinha entendido corretamente.

Ela me disse que tínhamos que falar com alguém para entendermos melhor. Ela começou uma série de telefonemas que levaram a lugar nenhum a não ser a este dia sem nenhuma informação de valor.

Depois do almoço me disseram para ir à uma reunião com meu comandante, eu estava ansiosa para começar a fazer perguntas.

Quando entrei na sala já havia umas dez pessoas lá. Era uma sala bem pequena.

A comandante entrou na sala e começou a explicar o Programa Adutai:

- Vocês virão fazer um mês de treinamento básico durante as suas férias da universidade,

Comecei a chorar, bem discretamente.

- Vocês trabalharão para o exército na sua área de formação,

- Vocês servirão o exército por três anos (um a mais do que normalmente meninas servem)

- Se vocês reprovarem em qualquer matéria o exército se reserva o direito de alistar vocês imediatamente.

Nessa hora eu já estava chorando descontroladamente.

A comandante acabou sua fala, disse a todos que podiam sair. Comecei a me preparar para levantar quando ela me pediu que ficasse mais um pouco.

Ela me trouxe um copo d’água e pediu para, quando eu estivesse pronta, contar porque eu estava chorando tanto.

Enquanto eu me acalmava, percebi que ela era mais nova que eu.

Comecei a contar sobre o cara que mentiu para mim e me fez assinar o documento, como eu tinha tentado, e falhado, em falar com alguém depois de receber a carta. Contei a ela sobre o trabalho, e como o curso de química era difícil.

E finalmente eu lhe disse que eu nunca mais na vida queria tocar numa arma. E conforme essas palavras saiam da minha boca, me dei conta que se eu trabalhasse com química no exército eu iria trabalhar com todo tipo de armas e comecei a chorar de novo.

Ela me olhou nos olhos e disse que iríamos encontrar um jeito, que ela entendia, e que haviam formas de sair desta situação. Ela me disse que eu poderia encontrar um psiquiatra, para que escreva uma carta dizendo que eu era inapta para servir, ou eu poderia escrever uma carta ao exército dizendo que eu era contra tocar em armas, mas neste caso eu provavelmente iria para a cadeia, e ela disse que me ajudaria com a burocracia para arrumar isso rapidamente.

Eu estava tão grata a essa menina; foi a primeira vez no dia que me senti sã. Como é possível esses jovens pensarem que isso é normal?

Brothers

Quando o Estado de Israel foi criado, Ben Gurion permitiu ao pequeno grupo de estudantes de Yeshivá, cerca de 400, que não servissem ao Exército. Tal episódio ficou conhecido como “Torato Omanut”, ou “A Torá é a sua arte” – foi concedido ao grupo o direito de se dedicar exclusivamente ao estudo da Torá. A partir de 1977, o Likud sobe ao poder e o número de estudantes de yeshivot que não vão ao exército só cresce.

Esse direito permaneceu até 2002, quando se criou a chamada “Lei Tal”, oficializando a dispensa da prestação do serviço militar aos que dedicam tempo integral ao estudo da Torá. A lei tinha 5 anos de duração, mas acabou por ser postergada por mais 5 anos e no início de agosto venceu. Não houve mais prorrogação pois foi dada como inconstitucional pela Knesset.

Esse é ponto central no filme “Brothers”, do diretor israelense Igaal Niddam. Todas as discussões do filme se baseiam nos ortodoxos servirem ou não no exército.

No filme, dois irmãos judeus separados há muito tempo se reencontram. Para surpresa de ambos, um deles é um chalutz do kibutz, trabalha no campo, ajudou a construir a terra e é  contrário ideologicamente aos ortodoxos; o outro irmão é ultra-ortodoxo e cumpridor das leis da Torá.

O filme gira em torno das discussões entre eles e da discussão do tribunal. O irmão ortodoxo é advogado e vai até Israel para ajudar na causa de uma Yeshivá que é obrigada a mandar os estudantes ao exército contra sua vontade.

Debates muitos interessantes são realizados no tribunal e na casa do irmão. Eles não se agüentam e não entendem como podem pensar tão diferente.

Não quero estragar o filme para quem não viu, apenas trazer alguns questionamentos que no filme aparecem. Será que por ser um estado judeu e democrático não se deve tratar todo cidadão da mesma maneira? Por que o tribunal rabínico deve decidir quem é judeu e quem não é? Para ir morar em Israel, segundo a Lei do Retorno, é necessário que haja um judeu no mínimo na terceira geração da sua família, entretanto para poder se casar é preciso ser filho de mãe judia. Será que isso é certo? É certo colocar apenas comida kasher para as pessoas do exército? É certo não ter ônibus no shabat? Até quando o estado tem que ser democrático? Tem como o estado ser judeu e democrático?

São diversos questionamentos que podemos discutir. Você já pensou nisso?

Paródia israelense do Taglit

Todo ano, milhares de judeus norte-americanos, europeus e sul-americanos recebem viagens gratuitas para participar de um tour guiado por Israel durante durante semanas. Para muitos, essa é a chance de conhecer locais históricos como Masada, praticar hebraico e ir a festas com soldados israelenses.

Israeli parody of Taglit-Birthright Propaganda Trips from Eretz Nehederet on Vimeo.

Homenagem a Moshe Silman

Moshe Silman se imolou porque estava endividado e não tinha onde morar. Após ter um AVC e não ter mais condições de trabalhar, não recebia o mínimo do seguro social para pagar suas contas. Tentou entrar na justiça, tentou recorrer, mas acabou perdendo sua casa devido às dívidas. No sábado, durante as manifestações de um ano do protesto social, ele se imolou e o primeiro ministro Bibi emitiu um comunicado oficial, no qual se mostra triste com a tragédia pessoal de Silman.

Nessa placa lê-se em hebraico: “Bibi vc é a nossa tragédia pessoal”.

No jornal israelense estão sendo comparadas as tragédias pessoais de todos com dificuldade de viver por causa das políticas públicas do governo Likud.

Palestina e Israel: CRER pra VER

Dennis Ross

Neste mês de Junho que passou, ocorreu a 4ª Conferência Presidencial de Israel. Seu tema, todos os anos, é o “amanhã”. Este ano, os painéis contaram com a presença de figuras renomadas da política e da academia do Oriente Médio, Estados Unidos e Europa. Dentre os dois maiores campos discutidos, política e economia, os temas se voltaram fortemente para a questão do euro e a sobrevivência da União Européia, a Primavera Árabe e Manifestação de Um Milhão em Israel e, claro, sobre o relacionamento entre árabes e judeus e como avançar nas negociações de paz entre israelenses e palestinos. Tratemos neste espaço sobre este último tema.

Dennis Ross foi um dos palestrantes mais esperados – com razão. Americano e autor de um dos livros fundamentais sobre a questão Israel/Palestina – “The Missing Peace” – Ross serviu como coordenador especial a respeito do Oriente Médio durante o governo Clinton. Ele trouxe à tona algo desconfortável de se escutar: a verdade.

Expondo o que todos esperavam, falou sobre as negociações de paz entre o governo israelense e os partidos palestinos. E sua frase de impacto resumiu tudo que podemos perceber atualmente: “Há uma descrença dos dois lados. Uma coisa é falar sobre falta de vontade. Outra, é sobre falta de credibilidade. Quem não acredita, não avança”

Em Israel e com o enorme prazer de estar presente nesta reunião de grandes mentes de países árabes e de Israel, pessoas de culturas, histórias, religiões, profissões diversas, é exatamente isso que se percebe. Não há quem acredite na paz. Ok, não há quem realmente acredite que se possa chegar a este ponto. E, para isso, Dennis Ross também traz a resposta: antes de mais nada, é necessário recuperar a crença das pessoas, palestinos e israelenses!

Como todo bom analista, ele não veio somente para dizer o problema. Indicou “passos” possíveis e necessários para que os dois povos andem para frente, como seguem (Ross literalmente enumerou):

  • Israel precisa recuar em relação aos assentamentos. E não, isso não é fácil como parece para a mídia internacional. Há seres humanos, cidadãos vivendo lá. O governo deve ter um bom planejamento de reembolso e reposição de moradias, considerando resultados desastrosos da retirada unilateral de Gaza.
  • O governo israelense pode, ainda, auxiliar em incentivos ao desenvolvimento econômico palestino – o que, em um contexto diplomático, seria benéfico para ambos os lados.
  • Os palestinos, por sua vez, devem começar a colocar Israel no mapa. Não há praticamente um livro didático palestino que  fale de Israel como um país soberano.
  • A morte de israelenses deve parar de ser comemorada por grupos palestinos – o que Ross chegou a chamar de antissemitismo.
  • Assim como os israelenses aceitam o direito religioso dos palestinos de frequentarem seus locais sagrados, a Palestina tem que aceitar que os judeus também possuem direito religioso em relação a Jerusalém.

Um conflito tão longo, que dura mais de cem anos, não pode ser travado por um único ator. Dois lutam, dois participam. Se fosse uma história fácil, de mocinho e bandido, o vilão já teria sido detido como ocorreu diversas vezes no mundo. E para quem tem dúvidas, a paz é algo necessário aos dois envolvidos. Não é um favor que um faz para o outro – é uma questão de interesse mútuo.

Entretanto, decisões não partem apenas de cima pra baixo. É preciso, como afirma Dennis Ross, que o povo – palestinos e israelenses – volte a crer que a paz é possível. Para isso, existem projetos, pessoas à frente de organizações e com muito boa vontade, como será exibido no próximo artigo referente ao que foi falado sobre a convivência entre os cidadãos de diferentes origens em Israel.

Texto publicado originalmente no blog Middle East Talks … vamos bater um papo sobre o Oriente Médio?

Este e outros textos da autora podem ser conferidos em http://orientemediohoje.com

Uma terra sem gente?

O designer gráfico e artista português Nuno Coelho esteve no Brasil para falar sobre a exposição de sua coautoria “Uma terra sem gente para uma gente sem terra” (ou “Uma terra sem povo para um povo sem terra”, na adaptação para o português brasileiro). A exposição e as palestras aconteceram na BibliASPA, centro de pesquisa localizado em Higienópolis que tem como objetivo promover a discussão entre povos árabes, sul-americanos e africanos.

A idéia da exposição, segundo Nuno Coelho, surgiu após (e não durante) sua viagem como voluntário para uma escola em um campo de refugiados não reconhecido pela UNRWA nos territórios palestinos. Ao regressar a Portugal, se deparou com a dificuldade de discutir a experiência que havia tido: no geral, o pouco conhecimento que se tinha sobre o conflito impossibilitava qualquer conversa mais aprofundada sobre sua vivência na Palestina. Decidiu, então, usar a arte e a interação como meios para promover questionamentos e introduzir as pessoas à trajetória do conflito.

A partir disso, Nuno e Adam Kershaw criaram painéis interativos – nada tecnológico, mas sim grandes folhas penduradas ao longo da exposição – que fossem ao mesmo tempo humorados, divertidos e didáticos. Em tais painéis se encontram instruções para ligar os pontos, colorir, desenhar, contar ou responder a perguntas, e a cada atividade resolvida há a seu lado as explicações do mapa ou imagem que surgiu.

Livro catálogo da exposição

Em um painel, por exemplo, há um mapa com diversos pontinhos, brancos e pretos. Ligando os pontos brancos, se tem a Linha Verde, representante da divisão internacionalmente reconhecida como limítrofe entre Israel e territórios palestinos. Ao se ligar os pontos pretos, entretanto, encontramos a linha onde está sendo construída a Barreira de Separação. Fica evidente a divergência entre as duas linhas. Ao final de um pequeno texto explicativo sobre os dois traçados, a conclusão: “Quando terminares, repara: que há regiões que ficarão, ou estarão já, totalmente isoladas; que a Cisjordânia, para além de reduzida a 59% de sua área total, ficará dividida em duas”.

A exposição já é polêmica e provocativa desde seu título. Apropriando-se ironicamente do jargão utilizado pelo movimento sionista no início do projeto nacionalista, os artistas deixam em aberto o questionamento: havia de fato uma terra abandonada na Palestina?