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O Dia Mais Santo

Sexta feira é o dia santo para muçulmanos e judeus. No islã, é o dia que se realiza a oração de Juma, um pouco mais longa do que as outras e precedida de um sermão especial. Para os judeus, na sexta à noite começa o sétimo dia da semana, Shabat. No dia 06 de julho, presenciei a sexta feira mais santa de todas que vivi ao longo dos meus 27 anos.

Na semana em questão eu me encontrava em Sarajevo, capital da Bósnia e Herzegovina. Fui convidada a participar da quarta Muslim Jewish Conference, que recebeu cerca de 100 jovens profissionais de 39 países ao redor do mundo. O objetivo: gerar um espaço onde podemos dialogar. Da Argentina ao Egito, conheci pessoas incríveis dos mais variados lugares.

Em nosso primeiro encontro na Conferência, nos pediram um simples exercício. Que judeus formassem grupos de judeus e muçulmanos grupos de muçulmanos e, em uma folha bem grande, escrevessem os estereótipos que a sociedade possui a respeito da sua cultura/religião. Primeiro ponto: você percebe que os preconceitos são os mesmos no mundo inteiro. No mundo inteiro boa parte das pessoas acha que todos os judeus são ricos, médicos e advogados, controlam a mídia, são fascistas e comunistas ao mesmo tempo. No mundo inteiro, boa parte das pessoas acha que todas as mulheres muçulmanas são reprimidas, que islamismo e terrorismo estão diretamente conectados e que todos os muçulmanos são árabes. Pois é. O segundo ponto: ao declararmos quais são os estereótipos que existem, deixamos claro que é isso que eles são… Estereótipos. E aí podemos começar a conversar.

Judeus e muçulmanos rezando juntos no memorial

Judeus e muçulmanos rezando juntos no memorial

Nos dias que se seguiram, a maior parte do tempo era dedicada aos comitês. Eu estava no comitê de Resolução de Conflitos. Foi incrível descobrir e aprender, o pouco que deu em menos de uma semana, sobre toda uma teoria a respeito, estudar o passo a passo. Como o conflito se cria, como ele pode se resolver. E não é fácil colocar em ação aquilo que é estudado há décadas por psicólogos, historiadores e profissionais de Relações Internacionais. E, além da teoria, a prática. Meu grupo, tendo como participantes pessoas de países bem distantes, chegou a questões similares em relação às suas comunidades locais e, assim, criou projetos que podem ser adaptados a diferentes lugares. Estamos trabalhando nisso!

Tivemos a semana inteira uma série de palestras, aulas e espaços sociais. Você descobre que faz amizades pelo papo, os assuntos, interesses. E não pela religião ou pela língua que você fala, ou pela cultura na qual você vive. Só depois de algumas horas o assunto “você é judeu, muçulmano ou outra coisa?” surgia à tona e, normalmente, porque estávamos a caminho de um bar e nesse caso é preciso ter cuidado: muçulmanos praticantes não ingerem álcool. Respeito é essencial.

Na quinta feira, um dia antes da Conferência terminar, fomos a Srebrenica. Esta foi a cidade que serviu de palco para o massacre de muçulmanos durante a guerra em 1995. Um genocídio real, tentativa de limpeza étnica que aconteceu há menos de 20 anos. Eu estava viva quando isso aconteceu… e passei boa parte da minha existência estudando sobre o Holocausto e ouvindo “que coisas assim nunca mais aconteçam”. Incrível como acontece o tempo todo e a gente nem fala disso. Em Srebrenica, cerca de 8 mil civis perderam suas vidas por serem muçulmanos. Ainda hoje, corpos estão sendo reconhecidos e enterrados. Rezamos juntos, em árabe e hebraico, pelo descanso destas almas e pela paz.

Túmulos de vítimas do genocídio em Srebrenica

Túmulos de vítimas do genocídio em Srebrenic

Nesse ínterim, foi fabuloso pesquisar e encontrar muitas ocasiões na qual judeus e muçulmanos não só conviveram bem, como se ajudaram. Exatamente estes eventos, a Shoá (Holocausto) e a guerra na Bósnia, muçulmanos salvaram judeus e judeus salvaram muçulmanos.

Mas eu comecei falando da sexta feira. Na sexta, a Conferência acabou ao meio dia. Muitos muçulmanos foram à maior mesquita de Sarajevo para a Juma. Falaram que quem quisesse poderia acompanhá-los. Então eles tiveram vários acompanhantes. Escutamos a oração e o sermão sem entender praticamente nada (até porque o Imã falou em bósnio), mas aquilo em si era santo. O Imã nos recebeu da melhor forma possível, conversou conosco, nos deu boas vindas e esclareceu que as relações com os judeus são boas. Seu tom de voz continha estranheza, um ar de “porque não seriam?”. A mesquita é linda e nossos colegas da Conferência estavam muito animados de nos receber em seu local sagrado.

À noite fomos para a sinagoga celebrar a entrada do Shabat. Todos foram avisados do horário de encontro no hotel e, chegando na recepção, não tive surpresas em ver praticamente o grupo inteiro, judeus, cristãos, ateus, agnósticos, budistas e muçulmanos. O líder da sinagoga (eles não têm um rabino local) nos recebeu de braços abertos, conversou com todos, cantou em ladino e rezou em tom sefaradi (costume judaico provindo do Oriente Médio). Eu entendo melhor o que se passa em uma reza de Shabat, já que frequento toda semana. E nunca foi tão especial. Cantar rezas de louvor a D’s fez tanto sentido com todos nós, irmãos, todos criados “à Sua semelhança”, presentes, abraçados, unidos. Se paraíso existe, deve ser um local assim. Com todos juntos, rezando com pensamentos bons, dando as mãos sem olhar pra qual religião, de qual nacionalidade, de que cor é a pessoa que está ao nosso lado.

Tudo isso me veio a mente na última sexta, quando fui à sinagoga que sempre frequento e percebi que as rezas cantadas me traziam de volta esse momento. A sexta feira mais santa que já presenciei.

Muçulmanos e Judeus na mesquita após a Juma

Muçulmanos e Judeus na mesquita após a Juma

Veio nos visitar no meio da semana da Conferência um rabino israelense que frequenta a cidade sempre que possível, David Rosen, junto com o Mufti de Sarajevo. Ele disse algo tão simples e, ainda assim, tão importante de lembrarmos: “se vocês não quiserem que a religião seja um problema, deixem que ela seja a solução”.

Texto publicado originalmente no blog Middle East Talks … vamos bater um papo sobre Oriente Médio?.

Este e outros textos da autora podem ser conferidos em http://orientemediohoje.com/

“A coexistência deve estar presente no modo como sentimos, pensamos e realizamos o nosso judaísmo”

No Brasil dos dias atuais, com manifestações, passeatas e uma população cada vez mais interessada em participar politicamente a questão da representação está cada vez mais complicada, e em alguns casos até perigoso. Aproveito para agradecer desde já a possibilidade e o desafio de representar a parcela jovem da comunidade judaica diante de todos vocês que acreditam no Diálogo e na Coexistência. Vou tentar dar voz a todos aqueles que trabalham para criar uma comunidade integrada com os ideais judaicos de TIKUN OLAM (transformação do mundo) e TIKUN ADAM (transformação do homem).

Como membro jovem da comunidade judaica do Rio de Janeiro sinto que é meu dever abranger a maior quantidade possível de aspectos que o judaísmo compreende. Contudo, não serei leviano em tentar definir a totalidade do judaísmo e também não permanecerei apenas com uma perspectiva judaica. Nesse sentido, optei por utilizar todo o sistema de pensamento judaico (religioso, cultural, social, e nacional) através da divisão do sentir, pensar e realizar.

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Representantes das religiões judaica, católica e muçulmana.

Peço a permissão de vocês para parafrasear Ghandi, e afirmar que: “O DIÁLOGO NÃO É UM OBJETIVO, O DIÁLOGO É O MEIO PARA ALCANÇAR O NOSSO OBJETIVO”. Assim como meus companheiros muçulmanos e católicos, nessa jornada que começa com esse evento, me comprometo com essa ideia e com as mais profundas consequências dessa mensagem. A COEXISTÊNCIA deve estar presente no modo como sentimos, pensamos e realizamos o nosso judaísmo.

Para amparar o nosso sentimento contamos com as ideias de Martin Buber – um grande orientador (madrich) para todos aqueles que priorizam a relação e o relacionamento. Para Buber a união e a fusão da relação EU-TU não pode ser totalizada por mim, e não pode ser efetivada sem mim. O amor é a única forma de se relacionar que pode compreender a totalidade do ser, de mim e do outro. Dessa maneira, o sentir deve estar presente em todos os encontros que formam a vida, e só sentiremos o outro a partir de uma relação de compaixão. Jesus professou uma mensagem semelhante séculos antes.

Para direcionar o nosso pensar, podemos contar com a experiência do Rabino Abraham Joschua Heschel. Além de uma trajetória de vida apaixonante, Heschel nos ensina que a oração é a forma de aproximar o humano do transcendental, aproximando-o do mistério que é o âmbito sublime do mundo. A oração legítima para Heschel, pode ser entendida como um pensamento direcionando à encarar a unicidade de Deus no mundo. Nesse sentido, o homem, ao direcionar seu pensamento, se insere no mundo em que vivemos e se conecta com o âmbito transcendental. O Corão nos ensina que a única passagem vivenciada integralmente por Mohamad é a sua viagem até a mesquita Al-Aqsa, em Jerusalém, na qual ascendeu aos céus para receber a orientação da oração. A oração aparece então como uma ponte entre nossas religiões.

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Michel Gherman e jovens representantes das três religiões.

Volto aos conceitos de TIKUN OLAM (transformação do mundo) e TIKUN ADAM (transformação do homem) para enaltecer o valor da luta pela realização dos ideais de todos os jovens aqui presentes. A comunidade judaica do Rio de Janeiro já pratica uma série de atividades em conjunto com outras religiões, outras comunidades, e pessoas com diferentes realidades sociais na busca por uma transformação do mundo. Quaisquer exemplos citados aqui não esgotarão todas as iniciativas da nossa comunidade.

A certeza que o sol renascerá amanhã, e com ele nossa mente acordará sob os auspícios do racionalismo e dos grilhões da vida cotidiana, impede que o mistério da subjetividade nos envolva. Porém, nós temos a sorte de morar no Rio de Janeiro. Nessa cidade, um simples trajeto de ônibus mostra a beleza de uma natureza sem fim conjugada com a riqueza e a pobreza lado a lado no mesmo cenário. A partir dessa realidade temos a obrigação de lutar por alguns objetivos como o fim do preconceito religioso e da desigualdade social, demandar uma estrutura urbana de qualidade e que não haja destruição da natura que compõe a nossa cidade. Iniciativas com esse objetivo também nos conectam com a religião, seja o judaísmo, o catolicismo, ou o islamismo. A comunidade judaica já se move nessa direção.

Gostaria de dar especial destaque aos programas das escolas Eliezer Steinbarg Max Nordau, A. Liessin Sholem Alechem, do centro universitário Hillel Rio, e dos movimentos juvenis Bnei Hakiva, Chazit Hanoar, Habonim Dror e Hashomer Hatzair. Todas essas instituições trabalham para formar a identidade daqueles que serão os próximos líderes e ativistas da comunidade judaica, para conscientizá-los que vivemos num único mundo, e que a COEXISTÊNCIA é o caminho. Através de iniciativas como o “Tzedek(justiça)” do Hillel, “Vizinhos de Portas Abertas do colégio A. Liessin, do “Bnei Maavar (filhos da passagem)” do Eliezer Max, da “Chaverim ( amigos)” da Chazit Hanoar, “Conexão do Bem” do Habonim Dror, as crianças e os jovens da comunidade judaica entendem que apenas ajudando ao próximo é possível construir um mundo mais justo.

Para finalizar, gostaria de agradecer a todos que me concederam a oportunidade de estar aqui hoje. Reafirmo que esse evento é apenas o primeiro de uma jornada local da juventude em direção à uma sociedade livre de preconceitos e integrada ao redor de um objetivo comum – a transformação do mundo – começando pela nossa comunidade carioca. Como será essa transformação, nós iremos pensar juntos. Para onde queremos seguir, nós iremos decidir juntos. Há apenas um elemento que não podemos nos desfazer, o DIÁLOGO COMO IGUAIS.

Discurso proferrido por Rodrigo Baumworcel no “Encontro Inter-Religioso entre Católicos, Judeus e Muçulmanos”.

FAQ: Quero trabalhar em Israel como jornalista – como faço?

Vou abrir aqui no blog uma espécie de FAQ para responder a perguntas comuns que recebo de colegas jornalistas ou de curiosos sobre meu trabalho ou sobre o Oriente Médio, onde vivi durante sete anos. É uma forma de ajudar pessoas que tenham as mesmas dúvidas. De qualquer maneira, como sempre digo, os canais de sempre estão abertos para quem quiser escrever e perguntar. Igualmente, se alguém quiser complementar com alguma dica, deixem nos comentários e eu coloco aqui, com os créditos!

A dúvida de hoje tem a ver com o trabalho como jornalista em Israel. Aí vão algumas dicas, então.

Meu primeiro conselho é que você entenda bem sobre a região. Há coisas que não são ditas ou ensinadas e que você só vai aprender por lá, mas o Oriente Médio é provavelmente uma das regiões mais bem estudadas, comentadas, documentadas e conversadas. Há especialistas em todo lugar, gente muito boa, e é preciso aproximar-se dessas pessoas. E, antes de fazer as malas e mudar-se para Israel ou para a Palestina (uma opção a ser considerada), é preciso estar ciente de que você está embarcando com destino a um terreno que conhece bem, ao menos na teoria.

É preciso saber a diferença entre drusos e curdos, entender que existem judeus e muçulmanos seculares e ortodoxos, ter clara a noção de que nem todos os muçulmanos são árabes e nem todos os árabes são muçulmanos, conhecer a geografia e a história da região etc. É bastante trabalho. Mas é necessário. Faça a lição de casa com antecedência para não perder tempo (ou cometer erros evitáveis) na hora da verdade! Fiz um post a respeito certa vez que pode ajudar um pouco: Se você vai conversar sobre Oriente Médio com alguém, é bom saber…

É importante ter vínculos com algum órgão de imprensa fora de Israel, para ajudar no primeiro passo burocrático importante, que é o credenciamento junto ao Government Press Office (GPO). Com uma carta timbrada e assinada – e passando nos critérios deles – você recebe uma credencial de jornalista que se não abre muitas portas, pelo menos evita que se fechem outras (oficiais do Exército e autoridades políticas muitas vezes não conversam com jornalistas não credenciados, a menos que você tenha uma relação de confiança com eles). Na Palestina, a coisa é mais branda mas vale a pena também procurar o órgão responsável pela imprensae pelo menos conhecer as pessoas.

Para trabalhar como jornalista em um veículo israelense, existem algumas opções para quem não sabe hebraico mas domina o inglês bastante bem. Os principais jornais têm versões em inglês: o Haaretz, que tem edições impressas em hebraico e inglês e versão bilíngue também na internet, e o Yedioth Aharonoth, que tem versão em inglês apenas na internet. O Jerusalem Post é publicado apenas em inglês, mas eles são extremamente deficitários e não costumam pagar. Isso pode ter mudado, vale a pena um contato pelo menos para conhecer os jornalistas de lá (o jornal é uma porcaria do ponto de vista de conteúdo, mas tem gente muito boa).

Saber outros idiomas é sempre uma vantagem em Israel. Além de existir um público imigrante que fala uma imensa variedade de idiomas, do russo ao francês, de espanhol a amárico, há sempre iniciativas locais de veículos – em geral na internet – voltados para o leitorado fora de Israel. Quando eu morei lá, durante alguns meses trabalhei em um site que começou fazendo a tradução do Jornal Nacional local para quatro idiomas. Fui admitido para a desk de espanhol porque domino o idioma, embora seja brasileiro (eles não quiseram abrir um canal em português, com razão no meu entendimento). Mesmo na imprensa tradicional pode ser bom demonstrar habilidades em outras línguas, que podem ser úteis porque o país, o tempo todo, se relaciona intensamente com outras nações (seja porque houve um ataque contra israelenses na Bulgária ou porque o papa vai visitar a Terra Santa).

Hebraico e árabe, idiomas oficiais em Israel, são ferramentas importantíssimas na conversa com fontes. A coisa muda de figura (e isso não é nenhuma novidade) quando você entrevista um personagem no idioma dele em vez de as declarações ficarem perdidas em uma língua que não é a dele e menos ainda a sua – em geral, mas não sempre, vai ser o inglês. Terminei minha primeira entrevista em hebraico suando frio, mas com a sensação boa de ter deixado o entrevistado à vontade o bastante para se preocupar apenas com o conteúdo – e não com a forma – daquilo que estava me contando. Para se virar no dia a dia, entretanto, você na verdade não vai precisar nem do hebraico, nem do árabe: o inglês é amplamente utilizado, embora com sotaques característicos e caricatos, e não há preconceito ou barreiras significantes com relação a estrangeiros – muitos vão perguntar de onde você é e sorrir um sorriso largo ao ouvir “Brasil”!

Em questões práticas, a mais importante constatação é que a vida em Israel (especialmente em Tel Aviv, um pouco menos em Jerusalém) é cara. Muito cara. Os aluguéis são caros (embora desburocratizados, se você está acostumado à realidade brasileira). Vale a ideia de dividir apartamento, também pela experiência antropológica. A comida é cara. São questões que merecem planejamento para evitar problemas com dinheiro. É preciso ter um bom seguro de saúde, porque os hospitais são caros (e um seguro de vida, se você for cobrir conflitos!) O transporte público é de qualidade mas não funciona aos sábados… Ter um carro pode trazer dores de cabeça e alugar um pode ser caro. Há serviços de fixers (tradutores ou “fazem-tudo”, que podem te acompanhar em pautas específicas) e eles são caros!

Passando para uma questão mais filosófica, vale levar na bagagem a noção de que o conflito lá tem principalmente dois elementos essenciais: um é o fundamentalismo, dos dois lados. É o que faz com que um ortodoxo não olhe na sua cara por você ser mulher mas é também o que faz com que milhares deles continuem amarrados à ideia de permanecer em assentamentos na Cisjordânia. É, do outro lado, o que faz com que militantes disparem mísseis contra populações civis inocentes, desarmadas, e atinjam indistintamente escolas, asilos, supermercados ou, em um modelo já menos utilizado, ônibus e lanchonetes em ataques suicidas.

O segundo elemento tem a ver com a forma de pensar dos povos da região – e aí incluo os israelenses (judeus ou não), os árabes (muçulmanos ou não), os iranianos, os palestinos… Estamos acostumados a pensar com um modelo ocidental e a entender questões a partir dessa perspectiva. Mas as coisas não são da mesma forma lá. É preciso levar em conta isso ao conversar com um israelense secular, com um judeu ortodoxo, com um muçulmano comum, com um partidário do Hamas, com cada um por lá. Os conceitos que temos de democracia, de paz, de valor à vida etc etc etc são diferentes no Oriente Médio.

Texto publicado originalmente no blog Gabriel Toueg: Jornalista.

Este e outros textos do autor podem ser conferidos em http://gabrieltoueg.wordpress.com/

Escolas em Israel de Co-educação em Árabe e Hebraico

Esta semana, no dia 25 de Abril, oThe Atlantic publicou uma matéria sobre escolas em Israel onde a educação é bilíngue e multicultural, em árabe e hebraico. Voltada para famílias interessadas em um aprendizado que visa a coexistência, estas instituições possuem um grande público alvo desconhecido pela maioria dos interessados em Oriente Médio deste lado do globo: filhos de casamentos mistos. Um dos pais de origem árabe e o outro de origem judaica.

Uma criança palestina e uma israelense praticando esportes na escola.

Ocorre que casos assim são mais comuns do que se imagina. Nestas escolas os alunos têm a oportunidade de vivenciar ambas as culturas de suas casas e terem uma escolha mais informada sobre a cultura e religião que desejam adotar para si próprios posteriormente, quando não as duas.

Segundo a reportagem, estes órgãos educativos não somente demonstram um avanço cultural e social em meio a uma sociedade tão complexa quanto a israelense, como seus alunos demonstram melhores resultados em exames nacionais e maior taxa de presença em universidades.

Com dois professores em sala, um judeu e um árabe, tais escolas são denominadasHand in Hand schools (escolas De Mãos Dadas). Existem no momento quatro filiais em Israel, todas públicas e reconhecidas legalmente pelo Ministério da Educação.

O sucesso das quatro Hand in Hand, outras escolas passaram a querer seguir o exemplo. Porém o caminho para o ensino inter-religioso ainda possui uma série de obstáculos. A matéria do jornal apresenta um lindíssimo caso, da escola Ein Bustan. Estabelecida em 2005, esta instituição foi criada por pais de crianças árabes e judias com o objetivo de que seus filhos fossem educados juntos. A Ein Bustan segue o método Waldorf, que segue uma linha de educação alternativa que promove a ênfase nas artes, imaginação e competências sociais.

Em um local onde notícias sobre guerras e conflitos sociais se sobressaem, é excelente e importante ficar a par de iniciativas como estas, que tomam como sua base o que há de essencial para quaisquer mudanças na sociedade: a educação das crianças. Não deixe de ler a matéria do The Atlantic clicando aqui e visitar os sítios das escolas em questão.

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Texto publicado originalmente no blog Middle East Talks … vamos bater um papo sobre Oriente Médio?.

Este e outros textos da autora podem ser conferidos em http://orientemediohoje.com/

FAQ: Se você vai conversar sobre Oriente Médio com alguém, é bom saber…

A seguir, um “Oriente Médio 101“. São alguns fatos bem básicos sobre o Oriente Médio e os povos da região que você precisa saber (se é que já não sabe!) quando for conversar com alguém sobre o assunto. Há muito mais informações que podem entrar aqui. Se tiver sugestões, envie pelos comentários e eu avalio para acrescentar.

“Só podemos discutir aquilo que ninguém sabe” – Richard Feynman

Árabes e muçulmanos
Cada um com seu cada um. Árabes são parte de um grupo étnico, não de uma religião. Os árabes existem desde bem antes do Islã (a religião) e existem árabes cristãos e árabes judeus (sim!) Portanto, nem todos os árabes são muçulmanos. Há populações numerosas de árabes cristãos em todo o mundo, incluindo países como Líbano, Israel, Síria e Jordânia, por exemplo. E nem todos os muçulmanos são árabes – na realidade, dois terços da população muçulmana mundial não são árabes. Em comum os árabes têm o idioma árabe. E a origem geográfica na Península Arábica.

Israelenses e judeus
Igualmente, israelenses e judeus não são necessariamente a mesma coisa. Há judeus israelenses e israelenses judeus, mas há também judeus de outros países, como judeus brasileiros, judeus marroquinos, judeus turcos, judeus chineses; e israelenses de outras religiões, como muçulmanos, cristãos etc. O termo “israelita” (que apenas em Portugal é o correspondente do nosso “israelense”) se refere aos judeus, mas não pode ser confundido com “israelense”. E já que eu mencionei Portugal, por lá os palestinos são chamados de “palestinianos”. Judeus também podem ser árabes, como demonstrado acima.

Muçulmanos e o Islã
Islã é uma religião. O termo significa “rendição” ou “submissão” em árabe e faz referência à obrigação religiosa do muçulmano (o sujeito que segue a religião) de acolher a vontade de Deus. Outra palavra, “salam” (“paz”, também em árabe) está relacionada ao nome da religião, o que corrobora a noção de que a fé islâmica tem caráter pacífico e tolerante. O Islã pode também ser chamado de islamismo, embora esse conceito se refira mais ao Islã político. Dessa maneira, embora existam controvérsias, “islâmico” se refere ao que é da religião e “islamista”, ao Islã político. Para o historiador Daniel Pipes, é um erro ver todo o Islã como islamismo. “O islamismo é uma tendência dentro do Islã, no momento muito intensa”.

Judeus e o judaísmo
Na mesma lógica, judaísmo é a religião (judaica, dã) e judeus são os que seguem tal religião. Em português há uma confusão com os adjetivos “judeu”, “judia”, “judaico”, “judaica”. Explico: judeus e judias são os homens e as mulheres que seguem o judaísmo. “Judaico” refere-se aos judeus. Assim, um sujeito é judeu, mas a escola onde o filho dele estuda é judaica, não judia. A imprensa que o avô dele lê, com as notícias de casamentos ebarmitzvás, é judaica, não judia. A propósito, “judiar” e “judiação” são termos pejorativos, como “denegrir” ou “programa de índio”. Use, em vez desses, “maltratar”, “maus-tratos”. Se quiser, é claro. Na famosa canção “Asa Branca” há o verso “Eu perguntei a Deus do céu por que tamanha judiação“.

Semitismo e antissemitismo
É uma contradição estranha a afirmativa de que árabes são antissemitas. Os árabes, assim como os judeus, sãosemitas. Aliás, os etíopes também. A palavra tem origem no nome de Sem (“Shem”, em hebraico, daí o termo “antishemiut” para “antissemitismo). Sem era filho de Noé (aquele da Arca, lembra?) Assim como há povos semitas, há idiomas semitas – e entram na longa lista o hebraico, o árabe e o idioma dos etíopes (atenção: éamárico, não confundir com aramaico, origem do hebraico, e também um idioma semita).

Xiitas e sunitas
Diferente do que se acredita, a divisão entre sunitas e xiitas é muito mais política e jurídica do que teológica. E as correntes não são as únicas dentro do Islã – há, na realidade, várias centenas delas. Li que muçulmanos xiitas se equivalem a católicos romanos no cristianismo: têm uma presença clerical marcante, os imãs (viu que diferença enorme faz um acento?!) que exigem a observância religiosa. Muçulmanos sunitas seriam como protestantes: os imãs não têm um papel tão central e eles preferem uma linha mais direta com Deus.

Iranianos não são árabes
O povo do Irã, país no Golfo Pérsico, conhecidos como iranianos (dã) ou persasnão é árabe. Eles não falam árabe. Falam persa, idioma que é grafado no mesmo alfabeto do árabe. Turcos, por sinal, tampouco são árabes (e falam o idioma turco, que no passado era grafado, como o persa, com caracteres do alfabeto árabe). No Brasil existe uma confusão imensa quando se fala sobre imigrantes do Oriente Médio: não importa de onde vêm, são chamados de “turcos” – a razão disso pode estar no fato de que as primeiras ondas de imigração ocorreram durante a vigência do Império Turco-Otomano.

Jihad e intifada
É um erro traduzir o termo árabe jihad como “guerra santa”. O significado original da palavra é “esforço”, ou “esforço sobre si”. Contudo, as crises políticas das últimas décadas, aliadas ao extremismo islâmico ou islamista (que, atenção: é exceção, não regra), ajudaram a que passássemos a entender que jihad é sinônimo de guerra santa. Apesar disso, é correto afirmar que a guerra santa é uma forma de jihad. Embora esteja bastante associada à ideia de guerra santa, conflito armado etc, intifada é um “levante”, e pode ser também pacífico. As revoltas da Primavera Árabe são um excelente exemplo de levante pacífico. Que funcionam em alguns casos, como no Egito, não funcionam em outros, como na Síria, e viram violentas em outros, como na Líbia.

O lenço não é ‘palestino’
Você já deve ter visto (se é que já não usou) os lenços “palestinos”. Uso as aspas porque a keffiyeh é erroneamente usada como símbolo palestino. O pano fino, com estampa xadrez de diferentes cores, é algo muito mais étnico (e geográfico, por causa das duras tempestades de areia nos desertos do Oriente Médio) do que nacional. Uma pena que as pessoas associem o lenço a uma luta nacional – tanto aqueles que o usam como símbolo, de forma a provocar ou a tentar atrair olhares, como aqueles que condenam seu uso, como já vi muitas vezes (com o argumento imbecil de que “um terrorista suicida, quando se explode, usa keffieh“). Não se engane: às vezes, uma keffyieh é apenas uma keffyieh!

 

Última atualização: 20/5/2013 (foto: Joyce N. Boghosian/White House/BagNews)

 

Colaboração: Leslie Sasson Cohen e Solly Boussidan (colabore também, enviando sugestões de temas ou de abordagens; use o formulário a seguir ou os comentários, que poderão ser publicados)

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Texto publicado originalmente no blog Gabriel Toueg: jornalista.

Este e outros textos do autor podem ser conferidos em http://gabrieltoueg.wordpress.com/

Yom Hashoá: um dia para relembrarmos o passado e olharmos para o futuro

Há uma anedota que consiste num diálogo entre um turista passeando por Israel e um judeu israelense.

O turista pergunta ao judeu israelense:

- Por que você veio para este país?

O judeu israelense responde: 

- Vim para cá para esquecer.

A resposta provoca curiosidade, e o turista volta a perguntar:

- Esquecer o quê?

E o judeu responde:

- Eu esqueci.

No calendário judaico, o dia 27 de Nissan é conhecido como Yom Hashoá, o Dia da Lembrança do Holocausto. Neste ano de 2013, pelo calendário gregoriano, recordamos as vítimas do Holocausto na noite de 7 de abril e durante todo o dia 8.

Lembro-me de minha primeira visita ao Yad Vashem, o Museu do Holocausto, em Israel, com apenas treze anos de idade. Naquela ocasião, tive o privilégio de ser acompanhado por um guia atencioso e paciente. Após passar cerca de quatro horas observando fotografias, vídeos e vários objetos assombradores e aterrorizantes que compunham o seu acervo, enfim deparei-me com uma imagem bonita. Essa  imagem, que observava ao final do percurso, não era nenhum objeto, quadro ou fotografia. Era ao vivo e a cores: a bela paisagem da cidade de Jerusalém.

Vista para a cidade de Jerusalém, Museu Yad Vashem

Ao mesmo tempo que observava aquela bela paisagem, após um dia exaustivo, o guia fazia o seu último comentário, em forma de pergunta: “Por que há essa linda paisagem de Jerusalém localizada exatamente no final do museu? Seria uma forma de nos vingarmos do Holocausto? Uma maneira de dizer ao mundo que hoje temos um Estado Judeu e eis aqui a nossa vingança?”. O guia continuou, dizendo: “Hoje estamos vivos, progredimos, temos o Estado de Israel, porém, isso não deve ser interpretado como vingança”.

Três anos após a minha primeira visita ao Yad Vashem, participei da Marcha da Vida, uma viagem de duas semanas que pode ser dividida em duas etapas: na primeira, na Polônia, conhecemos a vida judaica antes do Holocausto, as sinagogas, os Shtetls, e o drama dos judeus durante os anos de 1940, com visitas aos campos de concentração e  de extermínio; na segunda etapa, em Israel, entramos em contato com as maravilhas de um país com menos de setenta anos de criação. Ao final da viagem, fica bastante claro o contraste entre esses dois momentos da história judaica no século 20, isto é, o conceito de Meshoá L’tkumá - da destruição ao renascimento.

Recordo-me que logo no início da Marcha da Vida, o guia ordenou nosso grupo a não caminhar de cabeça baixa. Ao longo de toda a viagem, devíamos andar sempre com a cabeça erguida, principalmente ao visitarmos os campos de concentração e de extermínio. Andar cabisbaixo não nos era permitido.

Recordo-me ainda que durante a visita a Majdanek, o guia nos ofereceu garrafas de Coca-Cola. Em meus pensamentos, aquilo parecia absurdo. Não concebia a ideia de me refrescar com um refrigerante num local que havia abrigado um campo de concentração. É verdade que estávamos em julho, em pleno verão polonês, e o clima era, de fato, quente. Porém, a visita a Majdanek transformava o clima quente em frio. Além disso, um simples gole de Coca-Cola parecia um ato de desrespeito às vítimas do Holocausto. Minha revolta durou poucos segundos. Compreendi imediatamente quando o guia explicou seus motivos: antes de beber o refrigerante, deveríamos pronunciar, em voz alta, a Brachá de Shehacol, benção que, de acordo com a lei judaica, deve ser feita antes da ingestão de qualquer bebida, como forma de reconhecimento a D’us. O guia enfatizou, em sua explicação, que durante o Holocausto, em Majdanek, um judeu sequer, em nenhuma hipótese, poderia pronunciar a Brachá de Shehacol em voz alta e saciar sua sede. Hoje, porém, nós podemos. Portanto, beber o refrigerante não era um ato de desrespeito, mas uma maneira de perceber a mudança entre o presente e o passado recente.

Confesso que mesmo concordando com o guia, não foi uma tarefa fácil andar de cabeça erguida durante toda a viagem. Havia momentos em que os sentimentos eram tão fortes que abaixar a cabeça e se deixar abater era quase inevitável. De modo similar, também não foi fácil beber aquela garrafa de Coca-Cola em Majdanek, mesmo sabendo que faço parte de uma geração privilegiada, que tenho de viver o presente, e não o passado. De alguma forma, a visita a Majdanek  transportou-me ao passado, e o passado parecia tão real que, em certos momentos, esquecia-me do presente, sentia-me preso ao passado, sentia que não podia andar de cabeça erguida ou beber um refrigerante. Frequentemente, era necessário que o guia me alertasse: “levante a cabeça”.
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Já se passaram pouco mais de cinco anos desde minha viagem. Hoje, percebo que durante as duas semanas da Marcha da Vida aprendi bastante, não apenas em conhecimento, mas também em modos de agir e se comportar. Um dos ensinamentos que assimilei foi o de deixarmos o passado em seu devido lugar, não permitindo que ele se transforme no presente, muito menos no futuro. Para viver o presente e pensar no futuro, temos que nos desapegar do passado.
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É a partir desse ensinamento que interpreto a paisagem da cidade de Jerusalém ao final do Yad Vashem, que concordo com o dever de andar de cabeça erguida durante a Marcha da Vida, que concebo a ideia de beber um refrigerante em Majdanek e que entendo o motivo da viagem terminar com uma semana em Israel.
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Porém, ao viver o presente e pensar no futuro, devemos tomar cuidado para não cometermos o erro da anedota, isto é, “esquecermos o que esquecemos”. Embora não devamos ficar presos ao passado, não podemos esquecê-lo por completo. Devemos esquecer apenas ao ponto de não nos tornarmos reféns, para que possamos viver o presente e agirmos por um futuro diferente. Por fim, devemos lembrar e relembrar para não esquecermos.
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Hoje, ao lembrar os horrores do passado, podemos encontrar consolo em saber que há um progresso em curso, erguendo nossas cabeças e agindo no esforço de transformar “L’olam lo od”, Never Again”, “Nunca Mais”  em muito mais do que mero slogan.
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IV Seminário Israel – Palestina: Narrativas em Jogo será no Rio de Janeiro no dia 14 de abril

No dia 14 de abril de 2013, domingo, ocorre no Rio de Janeiro a quarta edição do Seminário Israel – Palestina: Narrativas em Jogo, uma iniciativa do grupo Fórum 18 e Hillel Rio que visa possibilitar a compreensão das diversas narrativas a respeito do conflito palestino-israelense.

Em São Paulo e Porto Alegre, já foram promovidos três grandes seminários em 2011 e 2012, que contaram com a participação de palestrantes como Abdel Latif Hasan, Arlene Clemesha, Celso Garbarz, George Niaradi, Guila Flint, Huda Al Bandar, Huda Al Imam, Ilan Sztulman, Jaime Spitzcovsky, Jacques Wainberg, Marta Topel, Michel Gherman, Patrícia Tolmasquim, Paulo Farah, Peter Demant, Salem Nasser, Sylvio Band, Vladimir Safatle e Walid Altamami.

A quarta edição do evento contará com palestras de Amira Hass, Celso Garbarz, Edgar Leite, Jaime Spitzcovsky, Luis Edmundo Moraes, Michel Gherman e Murilo Meihy abordando temas como os desafios do novo governo israelense, antissemitismo e islamofobia e a construção da imagem de Israel e da Palestina por meio da relação entre jornalismo e política. Haverá ainda um debate sobre a coexistência de ideologias sionistas na comunidade judaica, com a participação de Cecilia Cohen (Chazit), Enrique Rosenburt (Dror) e Liran Levy (Shomer), e o workshop Projeto Coexistência. O seminário é gratuito e acontece no Hillel Rio (Av. Borges de Medeiros, 3429), das 9h às 18h. Para participar, é necessário inscrever-se aqui.

IV SEMINÁRIO ISRAEL – PALESTINA: NARRATIVAS EM JOGO – PROGRAMA
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09:00-09:30    DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAL E BOAS VINDAS

09:30-11:00    ISRAEL, HOJE: DESAFIOS DO NOVO GOVERNO
……………….Celso Garbarz e Edgar Leite 

Celso Garbarz é professor de História, especializado em Oriente Médio, com mestrado em História na Universidade de Jerusalém. Ex-diretor da Anistia Internacional, responsável pela América Latina e pela África. Faz parte da ONG israelense B´Tselem (The Israeli Information Center for Human Rights in the Occupied Territories), criada em 1989 por um grupo proeminente de acadêmicos, advogados, jornalistas e membros da Knesset.

Edgar Leite é doutor em História pela Universidade Federal Fluminense, professor de História da UERJ e da UNIRIO, assessor técnico-científico da FAPERJ, e membro do Conselho Acadêmico do Centro de História e Cultura Judaica. É coordenador do GT Regional Rio de História das Religiões e das Religiosidades da ANPUH e do Grupo de Pesquisa do CNPq: Políticas, Direitos, Éticas. É integrante da B’nai B’rith, e coordenador do projeto Direitos Humanos e Holocausto junto à rede pública de ensino.

11:00-11:15     COFFEE-BREAK 1

11:15-12:45     PERSPECTIVAS PARA O SÉC. XXI: NOVO ANTISSEMITISMO E ISLAMOFOBIA
……………….Luis Edmundo Moraes, Michel Gherman e Murilo Meihy

Luis Edmundo Moraes possui graduação em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestrado em Antropologia Social – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social – Museu Nacional – UFRJ e doutorado em História pela Universidade Técnica de Berlim. Atualmente, é professor adjunto da UFRRJ e coordenador do Núcleo de Estudos da Política da mesma instituição. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Contemporânea, atuando principalmente nos seguintes temas: Nacional Socialismo, Holocausto e movimentos de extrema-direita no tempo presente, em particular aqueles ligados à negação do holocausto.

Michel Gherman possui graduação em História com licenciatura em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É Mestre em Antropologia e Sociologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Atualmente, cursa doutorado no Programa de História Social da UFRJ e é Coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da mesma instituição.

Murilo Meihy possui graduação em História pela PUC-RJ e mestrado em História Social da Cultura pela mesma instituição. Atualmente, é pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, professor de História da África e de História moderna e contemporânea da PUC-RJ. Tem experiência na área de História, com ênfase em História moderna e contemporânea, atuando principalmente nos seguintes temas: Oriente Médio, África, Renascimento, Orientalismo, e árabes no Brasil.

12:45–14:00     ALMOÇO

14:00–15:30     JORNALISMO E POLÍTICA: A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE ISRAEL E DA PALESTINA
……………….Amira Hass e Jaime Spitzcovsky

Amira Hass é correspondente do jornal israelense Haaretz para os territórios palestinos. Nascida em Jerusalém, morou três anos em Gaza e, desde 1997, vive em Ramallah. É autora dos livros “Drinking the Sea at Gaza: Days and Nights in a Land under Siege”, “Reporting from Ramallah: An Israeli Journalist in an Occupied Land” e “Diary of Bergen-Belsen: 1944-1945”. Recebeu OS prêmios Golden Dove of Peace Prize, Lifetime Achievement Award e Reporters Without Borders Prize for Press Freedom.

Jaime Spitzcovsky é jornalista e integra o Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP. Ocupa o cargo de diretor de relações institucionais da Confederação Israelita do Brasil. Foi correspondente da Folha de S. Paulo em Moscou, entre 1990 e 1994, e em Pequim, entre 1994 e 1997. Fez coberturas jornalísticas em mais de 40 países, com destaque para região da extinta URSS, Extremo Oriente e Oriente Médio (Israel, territórios palestinos, Egito, Jordânia, Líbano, Iraque e Líbia). Foi comentarista internacional da Band News FM e colaborou com a BBC (Reino Unido), Haaretz (Israel), Diário de Notícias (Portugal), El Mercurio (Chile), TV Cultura, entre outros.

15h30–15:45    COFFE BREAK 2

15:45–17:00     PRÁTICA DA COEXISTÊNCIA DE IDEOLOGIAS SIONISTAS NA COMUNIDADE JUDAICA
………………..Cecilia Cohen (Chazit), Enrique Rosenburt (Dror) e Liran Levy (Shomer)

17:00-18:00      WORKSHOP PROJETO COEXISTÊNCIA

Reflexões a partir da Semana do Apartheid Israelense na USP

Aqueles que conhecem um pouco da USP sabem que a Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) é, por excelência, a grande casa do movimento estudantil. Seu espaço abriga assembleias, atos, manifestações e reuniões de grupos que frequentemente se definem como revolucionários.

Na última semana, um desses grupos, a Frente Palestina da USP, chamou a atenção ao construir um muro em frente às rampas de acesso às salas e espalhar cartazes e bandeiras palestinas em alguns pontos da faculdade. Tratava-se da divulgação da “Semana do Apartheid Israelense”, um evento internacional que, este ano, esteve presente também em nossa Universidade. De segunda à sexta, a programação contou com palestras, conversas, exibições de filmes e até uma cervejada que trouxeram à tona a questão palestina para dentro do espaço acadêmico.

Participei como ouvinte de duas atividades da Semana: a mesa de abertura, na segunda-feira, em um anfiteatro lotado, e a mesa sobre o a campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções à Israel (BDS), na quinta-feira, em uma sala de aula da faculdade de Ciências Sociais, com um público de, aproximadamente, 30 pessoas. Bastou assistir às duas mesas para perceber que o evento transitou entre duas maneiras absolutamente distintas de se apresentar e pensar o conflito envolvendo israelenses e palestinos.

Na segunda-feira, embasadas pela perspectiva histórica, todas as falas, ainda que diferentes no que diz respeito às convicções políticas, foram capazes de colocar na mesa a complexidade da conjuntura e, principalmente, de dialogar entre si, favorecendo o debate e a ampliação do conhecimento sobre o assunto.

A atividade de quinta-feira, porém, foi marcada por visões simplistas e maniqueístas sobre o tema, com apresentações rasas e apelativas que buscaram demonizar o Estado de Israel desde sua criação, valendo-se de generalizações e acusações agressivas pouco fundamentadas. Construiu-se um discurso de ódio por meio da exposição de uma história única que tinha como objetivo declarado angariar novos militantes para combater Israel através do boicote econômico, cultural e acadêmico. Nesse sentido, as palestrantes recorreram a leituras extremamente simplistas, comumente verificadas não apenas no discurso de movimentos sociais de esquerda, mas também no das organizações sionistas de direita, apesar de opostas em seus conteúdos. Dentre os diversos fatores que compõem essa abordagem está a essencialização dos povos israelenses e palestinos, o não reconhecimento dos direitos do outro e a impossibilidade de diálogo.

Nesse tipo de discurso está embutida a tentativa de elevação de uma determinada narrativa ao patamar de verdade absoluta, seguida da deslegitimação de todas as outras. Tal visão excludente contribui para a criação de um ambiente hostil e pouco aberto a questionamentos e reflexões, em direção contrária ao que se espera de um evento realizado em ambiente acadêmico. Enclausurados em suas próprias convicções, esses pequenos grupos tornam-se quase insignificantes do ponto de vista prático, uma vez que seu discurso ecoa de maneira positiva e mobilizadora apenas dentro de seus círculos, não atingindo o outro e mantendo estática a situação que dizem tentar mudar.

Movimentos de solidariedade aos povos envolvidos nos conflito deveriam buscar aprofundar as discussões propostas por meio do entendimento das múltiplas narrativas propagadas por eles. O debate, essencial para chegarmos a uma solução justa, se mostra cada vez mais urgente e não pode ser calado, mas precisa ser feito com toda a seriedade e profundidade que  palestinos e israelenses merecem.

Homenagem ao Rabino Menachem Froman: religioso, sionista e pacifista

No dia 04 de Março, após uma longa luta contra o câncer, faleceu aos 68 anos o Rabino Menachem Froman. Morador do assentamento de Tekoa, ao longo de sua vida ele atuou não somente como líder religioso, mas como artista e poeta. Sua morte é uma grande perda. O Rabino Froman foi um religioso sionista que sempre lutou pela paz, sendo bem recebido por palestinos e líderes religiosos muçulmanos. Teve encontros marcantes com o presidente palestino Mahmoud Abbas e Yasser Arafat antes dele, assim como Erdogan da Turquia.

Seus atos pela paz e pela união de uma sociedade israelense justa para os dois povos não foi fácil, encontrando forte críticas de ambos os lados. Mas o Rabino Froman persistiu na sua crença de igualdade até o final.

Este vídeo está sendo postado como uma pequena homenagem para um grande homem.

Um excelente exemplo de que a religião não precisa e não deve ser um empecilho para esta questão.

“Paz é modéstia. Para atingir a paz, tem que ser humilde. Aquele que é humilde perante o Todo Poderoso, também é humilde cara a cara perante seus vizinhos. Você precisa amar seu vizinho. Os palestinos são meus vizinhos. Então o amor aos palestinos é a essência da minha religião”.

(Não encontrei um vídeo com legendas em português. Espero que todos possam entender a essência).

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Texto publicado originalmente no blog Middle East Talks … vamos bater um papo sobre o Oriente Médio?

Este e outros textos da autora podem ser conferidos em http://orientemediohoje.com

 

A Alexandria do meu pai

A primeira Alexandria que eu me deparei foi uma cidade grande e feia. Como Cairo que tinha acabado de conhecer, aparentemente não havia leis de trânsito. Era o tempo todo uma loucura, barulhos de buzina, carros na contramão, conversões proibidas. Não havia semáforos e a cada vez que se estava nas ruas se presenciava vários quase acidentes.

A segunda Alexandria que eu conheci foi a dos pontos turísticos. A do pilar de Pompéia, da catacumba, das mesquitas, da citadela e da biblioteca. Esses lugares eram bastante frequentados por aqueles turistas típicos com suas câmeras fotográficas.

Rua Luxor, em Alexandria

A Alexandria que eu queria encontrar, entretanto, era a Alexandria do meu pai. Queria caminhar pela mesma calçada da praia que tinha ladrilhos quentes devido ao sol e que outrora queimavam seus pés. Queria ver a rua Luxor, onde ficava sua casa, e suas redondezas, onde costumava brincar. Queria ver a praça que tinha um monumento de um cavalo imenso, onde ficava a loja de seu avô. Queria comer aqueles deliciosos biscoitos que os egípcios chamam de ghouraieba. Meu pai viveu no Egito, mais precisamente em Alexandria, até os seis anos de idade e o que restou desse período foram apenas poucas lembranças de infância.

Fui pro Egito com alguns amigos em um desses pacotes turísticos. O pacote era de quatro dias, sendo dois em Cairo, um em Alexandria e um no Monte Sinai. Era tudo organizado pelo hotel em que ficamos. O pessoal de lá estava responsável por nossos passeios, por nos levar e buscar dos pontos turísticos de carro.

Ao aceitar ser um turista no Egito, me dispus a estar sujeito a como um turista costuma ser visto em qualquer lugar turístico. Ou seja, como um gringo que veio gastar dinheiro.

Eu queria confiar nas pessoas. Queria estar aberto ao outro, aberto a uma nova cultura. Não gostava do comportamento da maioria dos turistas. Não gostava de estar onde estava muitos turistas. Sentia que, por eu ser visto como gringo, não podia confiar nas pessoas, pois sempre havia algum interesse por detrás. Essa sensação me gerou um incômodo tão grande, que eu acabei passando indiferente por uma pirâmide em cima de um camelo. E o incômodo se tornou muito maior quando eu senti que precisava pedir ajuda pra conseguir conhecer o lugar onde nasceu meu pai. Ou seja, justamente quando eu senti que precisava tirar a máscara de gringo com uma câmera fotográfica pra me mostrar um filho em busca do passado do pai.

Perguntei ao motorista que estava nos levando a Alexandria se ele conhecia a rua Luxor.

- Não.

- Fica perto da Cornische.

- Mas você sabe o tamanho da Cornische?

- Se for possível, eu gostaria de ir a rua Luxor. Essa foi a rua que meu pai morou há 50 anos atrás. Isso é importante pra mim.

Depois de um tempo em que não se falou mais sobre isso, enquanto seguíamos o roteiro padrão de Alexandria previsto no pacote que tínhamos comprado, eu relembrei o motorista. Pedi a ele pra perguntar a alguém onde ficava a Rua Luxor. Então, quando reencontrei-o depois de retornar ao carro de mais um ponto turístico, ele me disse que a Rua Luxor sim existia, mas que ficava muito, mas muito longe.

E, assim, eu entrei triste na citadela, indiferente à sua história. Subi em um lugar em que era possível ter uma vista da cidade. Enquanto passava meus olhos diante dessa Alexandria que estava à minha frente, ficava pensando em como eu encontraria a Alexandria do meu pai. Decidi que eu não queria saber mais daquele motorista, que não queria saber mais da citadela e de outros turistas, decidi que iria pegar um taxi pra chegar à rua Luxor. Avisei, então, meus amigos e fui conversar com o motorista pra combinarmos um ponto de encontro.

Mas parecia que ele não queria me ouvir.

- Escuta, você sabe o tamanho de Alexandria? Se você não sabe o distrito em que fica essa rua Luxor, você nunca vai chegar lá. Pode ser que haja várias ruas Luxor em Alexandria.

- Se você não sabe chegar lá, não tem problema, eu pego um taxi. Isso é muito importante pra mim.

- E por que é importante encontrar uma rua de cinquenta anos atrás, que você nem sabe se existe mais? Alexandria hoje é uma cidade completamente diferente!

Nesse momento, eu já tinha lágrimas nos olhos e só conseguia repetir:

- Isso é importante pra mim. Esse é o lugar em que meu pai viveu.

Em algum momento, uma raiva intensa passou a fazer companhia às minhas lágrimas. Era uma raiva que se dirigia ao lugar em que estava e às pessoas à minha volta. Parecia não existir possibilidade de comunicação. Senti que não consegui fazer com que me vissem como alguém além de um gringo que veio sair sorrindo em uma foto em frente à citadela de Alexandria.

Ao final do que estava programado pro dia, entrei no carro triste e conformado. Estava cansado. Talvez aquela Alexandria do meu pai não existisse mesmo. Ou talvez ela existisse apenas dentro de mim. E apenas dentro de mim eu poderia encontrá-la, apenas dentro de mim poderia guardá-la.

O motorista, que no fundo não era insensível nem indiferente, me levou para comprar ghouraiebas. E quando, ao estarmos saindo da cidade, passamos por uma praça com uma estátua de um cavalo, ele disse:

- Aí está o seu cavalo.

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Texto publicado originalmente no blog Algumas Coisas Escritas

Este e outros textos do autor podem ser conferidos em http://algumascoisasescritas.wordpress.com